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Jornal SBC 116 | Março 2012
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O sal da Terra e o pomo da discórdia
Se hoje o sal é o tempero mais
popular e barato, na Roma
antiga era uma especiaria
rara
e
valiosa,
utilizado
inclusive como moeda, daí
o termo “salário”. Na Bíblia,
a metáfora “vós sois o sal da
terra” provavelmente tem o
significado de “aquele que
preserva e dá sabor à vida, que
faz a diferença”.
Apesar de ter suas qualidades propagadas aténo livromais
popular de todos os tempos, hoje o excessivo consumo
mundial de sal representa um dos maiores obstáculos
à prevenção cardiovascular, além de funcionar como o
pomo da discórdia entre os cientistas.
Ainda que a sensibilidade ao sal seja um fator individual,
há fortes evidências de que reduções do consumo
são eficientes para diminuição das cifras pressóricas e
incidência de doenças em diferentes grupos étnicos. Um
ESTILO DE VIDA
estudo demonstrou que um consumo médio diário de sal
inferior a 3gpoderia reduzir àmetade onúmerode infartos
e acidentes encefálicos na população.
A mais polêmica das recentes publicações sobre o
tema foi a análise das coortes dos estudos ONTARGET e
TRANSCEND, que revelou uma relação entre consumo de
sódio e doença cardiovascular sob a forma de “curva em
J”. Um consumo de 7g diárias de sódio correlacionou-
se fortemente ao maior risco para todos os desfechos
cardiovasculares em comparação a um consumo entre 4 e
5,99 g. Contudo, naquela análise, que envolveu indivíduos
de alto risco cardiovascular e diabéticos, em uso de
muitos medicamentos, há uma polêmica constatação de
que o consumo diário inferior a 3g associou-se a maior
mortalidade cardiovascular e internações por insuficiência
cardíaca.
Críticas ao estudo, vindas inclusive de cientistas ligados
à própria Organização Mundial de Saúde (entidade que
defende um consumo diário de sódio inferior a 2g),
denunciam erros metodológicos na análise, como um
Marcus Vinícius Bolívar
Malachias | Co-editor
mbolivar@cardiol.br
Combinação pode reduzir em 76% o risco de doenças cardiovasculares.
insuficiente número de medidas do sódio urinário e o alto
risco dos indivíduos avaliados que não representaria a
população geral.
Nossa VI Diretriz de Hipertensão defende a posição da
OMS, de que a quantidade considerada saudável para
ingestão diária deva ser em torno de 2g de sódio, que
corresponde a 5g de cloreto de sódio (sal de cozinha). O
consumo médio do brasileiro corresponde ao dobro do
recomendado.
1) Bibbins-Domingo K, Chertow GM, Coxson PG, et al. Projected effect of
dietary salt reductions on future cardiovascular disease. N Engl J Med.
2010;362(7):590-9.
2) O’Donnell MJ, Yusuf S, Mente A, et al. Urinary sodium and potassium
excretion and risk of cardiovascular events. JAMA. 2011;306(20):2229-38.
3) Graudal NA, Hubeck-Graudal T, Jürgens G. Effects of Low-SodiumDiet vs.
High-Sodium Diet on Blood Pressure, Renin, Aldosterone, Catecholamines,
Cholesterol, and Triglyceride (Cochrane Review). Am J Hypertens.
2012;25(1):1-15.