Jornal SBC 143 | Junho 2014 - page 28

Jornal SBC 143 · Junho · 2014
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Mentira. Classe I ou III?
O colega já mentiu para o seu
paciente? E o paciente, ele
mente? Passou pela sua cabeça
que informações e respostas
poderiam ser desvios da
realidade? O colega acha que a
comunicação médico-paciente
deve sempre contemplar a
virtude, a moral e a ética, não
importando o contexto da
situação clínica?
O Código de Ética Médica 2010 nos veda
deixar de informar ao paciente o diagnóstico,
o prognóstico, os riscos e os objetivos do
tratamento, salvo quando a comunicação direta
possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso,
fazer a comunicação a seu representante legal
(art.34). É redação vigente desde o Código de
Ética da CFM, portanto há 60 anos. E o leigo
informado faz o que bem entender? Saberá
conduzir-se melhor?
Precisamos estar conscientes de que o
entendimento de associar má notícia com dano
psicológico, segundo o artigo citado, inclui
tanto o diagnóstico de uma doença – em que a
compaixão poderia justificar a não informação –
quanto as adversidades à terapêutica – substrato
para o consentimento básico para o respeito à
autonomia.
O paciente é um ser humano e o médico...
também. Tanto é que colegas minimizam a
comunicação, envergonhados por seus erros, e
que pacientes arranjam desculpas, embaraçados
por não terem feito “a lição de casa”. São
numerosas as situações na prática médica emque
a essência do ser humano, se não justifica, pelo
menos faz compreender o porquê da mentira,
numa área tão necessitada da autenticidade e da
credibilidade.
O quanto se poderia ou deveria manipular
informações na área da Saúde é questão
apaixonante. Muitos concordamqueumobjetivo
protetor ao paciente estimula. É o caso do não
antecipar sofrimento a respeito de uma ainda
hipótese diagnóstica assustadora ou do cuidado
em não eliminar uma esperança. Perante o
paciente prestes a ser submetido a uma cirurgia
de altíssimo risco, não é nada confortável para o
médico comunicar-se “jurando a verdade com a
mão na bíblia”.
Há a mentira como “explicação” para maus
resultados ou para a não revelação da ignorância
por parte do médico, e há a mentira do paciente
na busca de ganhos secundários. E, não
infrequente, surge a retaliação contra pacientes
que mentem para obter medicamentos ou
atestados.
Se uma mentira admite perdão fica para
apreciação pelos filósofos. Nós médicos
precisamos nos esforçar para sermos honestos
na comunicação, lidando da melhor forma com
dilemas e barreiras. A comunicação generosa e
espontânea que conjuga afetividade e ética é
arte que a progressiva antiguidade do número do
CRM aperfeiçoa nos médicos que se preocupam
em não ser indiferentes ao sofrimento do
paciente.
Bioética de Consultório
Max Grinberg
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