Jornal SBC 181 | Agosto 2017 - page 3

A clínica ainda é soberana
nos dias atuais?
“A clínica é soberana” é um dos maiores aforismos da medicina.
Mas, na época atual, em que a medicina deve se basear em
evidências, torna-se necessária uma reflexão sobre o tema.
A discussão inicia-se em nosso próprio Código de Ética Médi-
ca, que, em seus Princípios Fundamentais, determina que: “V
- Compete ao médico aprimorar continuamente seus conheci-
mentos e usar o melhor do progresso científico em benefício
do paciente”. No Capítulo V, Art. 32, o mesmo documento dita
que “é vedado ao médico deixar de usar todos os meios dispo-
níveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconheci-
dos e a seu alcance, em favor do paciente.”
O grande emprego de pro-
vas complementares tem,
entretanto, atingido custos
insustentáveis para qual-
quer sistema de saúde.
Assistimos uma irreversível
tendência de redução da
duração da consulta médi-
ca e o proporcional aumen-
to da solicitação de exames.
Além disso, quanto maior é
a lista de testes, maior é a
satisfação dos pacientes,
ávidos por provas diag-
nósticas. Nos serviços de
emergência, no mesmo dia-
pasão, tornou-se regra a ex-
clusão de diagnósticos graves por meio da propedêutica arma-
da, mesmo com baixa probabilidade pré-teste, até como forma
de atenuar a responsabilidade por eventuais falhas diagnósticas.
Mas como negar, porém, a impressionante contribuição da tec-
nologia na medicina? A possibilidade de se obterem evidências
concretas, por meio das inúmeras provas laboratoriais dispo-
níveis, revolucionou a medicina diagnóstica. Uma outra trans-
formação se deu pelo avanço da imaginologia, ao possibilitar
descortinar o corpo humano tanto sob o aspecto anatômico
quanto funcional. O que dizer dos recursos da pesquisa gené-
tica, assim como do emprego da robótica e da inteligência arti-
ficial, com acesso a milhões de dados científicos, no auxílio ao
diagnóstico e tomada de decisões?
Há hoje cerca de 30 mil periódicos de ciência e medicina, e
este número aumenta 3,5% ao ano. Mais de 1,5 milhão de
artigos sobre saúde são publicados anualmente. Estima-se
que a cada 70 dias seja duplicado o volume de informações
científicas sobre saúde. É crescente o uso de computadores
e robôs capazes de utilizar a inteligência artificial para auxí-
lio à medicina. O estudo “What doctor? Why AI and roboti-
cs will define new health”
entrevistou cerca de 11
mil pessoas de 12 países.
Mais da metade dos par-
ticipantes (55%) declarou
estar disposta a ser aten-
dida por robôs com inteli-
gência artificial, capazes
de responder dúvidas so-
bre saúde, realizar testes,
diagnosticar doenças e re-
comendar tratamentos.
É sempre bom lembrar
que o termo “robô” vem do
tcheco “robota”, que signi-
fica “escravo”. Nenhuma
máquina, por mais perfeita
que possa ser, pode superar a sensibilidade, o humanismo
e o discernimento do olhar clínico. Aliás, segundo Bill Gates,
“a primeira regra de qualquer tecnologia é que a automação
aplicada a uma operação eficiente aumentará a eficiência;
a segunda é que a automação aplicada em uma operação
ineficiente aumentará a ineficiência”. A clínica nunca perderá
sua majestade mas, mais que nunca, deve ser subsidiada,
com sabedoria, por recursos complementares. A tecnologia,
por sua vez, mesmo tendo revolucionado o universo, está
sempre à mercê das relações humanas.
Palavra do Presidente
MARCUS VINÍCIUS BOLÍVAR MALACHIAS
Foto: Pedro Vilela
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