Jornal SBC 192 | Julho 2018

O antigo significado do coração e o lado humano da Medici- na, do grande médico goiano e insigne mestre da Cardiologia brasileira, que tenho a honra de conhecê-lo e privar de sua amizade, esta advinda do meu saudoso e ilustre pai, tam- bém cardiologista (Antônio Dias dos Santos, professor emé- rito da Universidade Federal da Paraíba − UFPB), o profes- sor Celmo Celeno Porto, que publicou, em seu livro Doenças do Coração: Prevenção e Tratamento , um verdadeiro libelo, no que se refere à abordagem humanista do médico e da Medicina. O autor defende que a compreensão do paciente como ser humano inserido em determinadas circunstâncias socioculturais fornece ao médico uma visão mais abrangen- te de sua própria atividade. Ele acredita que “a medicina moderna não pode ser reduzida a uma profissão técnica”. O texto mostra como diferentes civilizações e culturas, em di- versos períodos da história, dotaram o coração de significa- dos, que transcendem o papel anatômico do órgão propulsor da circulação sanguínea. Dentro da proposta do Dr. Celmo, mas nos restringindo aos significados simbólicos do coração dentro do universo literá- rio, tentaremos mostrar aqui como alguns escritores e poetas fizeram interessantes menções àquele que é, provavelmente, o órgão humano mais aludido e metaforizado na literatura. O pernambucano Manuel Bandeira, por exemplo, compa- ra diretamente a cadência e a vivacidade de seu verbo ao fluir do sangue e ao batimento do coração – o ritmo inter- no do poema é marcado como os batimentos cardíacos: “ meu verso é sangue, volúpia ardente tristeza esparsa... remorso vão... doe-me nas veias, amargo e quente cai, gota a gota do coração” . João Cabral de Melo Neto, outro pernambucano, porém poeta de diferente temperamento, compara o poema “O relógio” ao coração como uma máquina interior. “De den- tro do homem, possuidora de uma vontade própria, uma bomba motor“ . Guimarães Rosa, médico, escritor e diplo- mata mineiro, também vaticinou ricos trechos metafóricos com o coração em sua vasta obra literária: “ coração de gente, o escuro, escuros“ ( Grande Sertão: Veredas ). Ain- da Guimarães Rosa: “o coração cresce de todo lado, vive feito riacho colombiano, por entre serras e varjas, matas e campinas. Coração mistura amores. Tudo cabe“ . Rosa se refere à velha analogia e à faculdade de amar. Como epílogo das linhas, em que mais uma vez procura- mos enaltecer e exaltar o contexto humanístico da Medici- na, finalizamos dizendo que todos estes usos e analogias, que são muitos, acabam tornando-a mais eficiente para sua tarefa de revitalizar a cultura, recolher os milhares de nutrientes que o ictus cordis pode oferecer para experiên- cias individuais e enriquecê-las de inteligência, profundi- dade e saber. Caminhos do coração na literatura brasileira Crônicas do Coração por Fernando Lianza Dias Crônicas do Coração por Fernando Lianza Dias Fernando Lianza Dias é especialista em Cardiologia pela SBC/AMB. Médico Preceptor de Cardiologia, Chefe do Serviço de Risco Operatório e Coordenador do Núcleo de Prevenção das Doenças Cardiovasculares do Hospital Universitário Lauro Wanderley da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Diretor Científico da Cardioclin. 24

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