Jornal SBC 190 | Maio 2018

Nossa Sociedade Brasileira de Cardiologia, fundada em 1943, protagoniza histórias gloriosas de incentivo a ensi- no, pesquisa, congraçamento, defesa profissional, promo- ção de eventos, enfim, traz consigo, ao longo de 75 anos, patrimônio inalienável e insubstituível. Dignificaram-na ab- negados pioneiros. Homens como Dante Pazzanese, Ru- bens Maciel, Luiz Décourt, fundadores e presidentes, entre tantos outros luminares, conferiram-lhe nome e símbolo. Como pátria que cria sua bandeira primacial e a carrega, a SBC ofertou a novas gerações o consagrado símbolo origi- nal que todos os cardiologistas brasileiros acostumaram-se a venerar, ilustrando seus congressos, suas publicações, suas missivas, até os aventais dos médicos, imagem res- peitada nacional e internacionalmente. Esse símbolo está acima de pessoas, diretorias, secções, pertence à SBC, o que equivale a dizer, a todos os cardiologistas brasileiros. Por isso é intocável. Está respaldado por direito consuetudi- nário de oito décadas. Macula-lo é macular a própria SBC. Como patrimônio histórico e moral, só seria alienável em Assembleia Geral especialmente convocada para tal fim. Eis que, inacreditavelmente e arbitrariamente, a diretoria anterior da SBC, levada pelo canto da “modernidade” re- solveu substituir (é insubstituível) tão grande patrimônio por outro “moderno”, “ágil”, sem glória e anódino. Talvez para os iluminados que assim agiram represen- te grande dificuldade a leitura dos caracteres numéricos latinos. É incrível que diretores com o sagrado dever de manter intocada nossa história joguem-na no lixo, como se fosse distintivo descartável de departamento logista com a missão de vender um pouco mais. Se pudessem mudar bandeiras, outros também poderiam e a SBC passaria a ter uma insígnia diferente a partir de cada nova diretoria. Exemplos estão aí a mostrar que clubes de futebol e blocos de carnaval prezam mais sua história que esses senhores prezam a nossa: essas entidades preservam, com elogiá- vel orgulho, suas raízes, jamais pensariam em trocar de imagem ou identidade. Imagine o New England mudando sua capa de duzentos anos ou qualquer outra respeitável Ponto de Vista entidade modificando a imagem original, que tanto mais an- tiga, mais respeitada, ou a Inglaterra trocando seu brasão e o Vaticano “atualizando” seu escudo. Esta encenação trá- gico-ridícula só poderia acontecer no país do lava-jato, sem memória, sem orgulho, prepotente, todas qualidades pecu- liares ao desprezo por um patrimônio histórico e simbólico. O superficialismo da atitude mostra que: a) não têm noção dos deveres do cargo que ocupam: (manter a imagem, a in- tegridade e a representatividade histórica do órgão que di- rigem); b) não têm noção do limite de suas atribuições (são agentes administrativos retiráveis pelo voto, sem permis- são para arbitrariamente modificarem símbolos históricos herdados, cláusulas pétreas); c) confundem o público com o privado (não são donos da SBC para fazerem o que bem entendem, sem autorização do órgão máximo da Socieda- de que é a Assembleia Geral); d) não entendem o valor do peso da história (confundem uma sagrada logomarca com o desejo de terem uma “representação visual moderna”; e) não medem conseqüências, prenunciam desmoralização institucional (se podem mudar bandeiras, outros também poderão e a SBC teria uma insígnia diferente a partir de cada nova diretoria); f) sofrem da síndrome da mudança (não do conhecimento progressivo, mas do mudar por mu- dar para aparecer, nem que seja um absurdo). Esta é uma mensagem que eu não gostaria de ter escrito, tal a tristeza pelo fato ocorrido. Não reconhecemos esse selo. Nada autoriza meia dúzia de pessoas anular um patri- mônio histórico e moral maior que qualquer imóvel. Esperamos sinceramente que a nova diretoria da SBC des- faça esse absurdo. O respeito aos fundadores de 1943 e à nossa dignidade merece isso. Não se trata nem de res- taurar porque o original continua existindo: ele apenas foi usurpado e subtraído ilegalmente. Vamos voltar a usá-lo, como todo órgão que se preza, e esquecer este episódio infeliz. Urge que os cardiologistas brasileiros indignem-se com tal engodo – muitos estão se manifestando assim - e, num gesto de afirmação, não desprezem o símbolo original e verdadeiro da SBC, deixando para trás este triste episó- dio. Essa deve ser a primeira missão da nova diretoria. Prof. Dr. Carlos Antonio Mascia Gottschall. Sócio titular e atuante da Sociedade Brasileira de Cardiologia desde 1964. Ex-presidente da Sociedade de Cardiologia do Rio Grande do Sul Fundador e Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista. Diretor-Científico da Fundação Universitária de Cardiologia do RS 22

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