O JUBILEU DO DANTE – MAIS VALIOSO DO QUE O OURO!
Estou ouvindo, nesta nublada manhã domingueira do inverno tropical, as “Paixões”
do João Carlos Martins, o extraordinário pianista e regente que fez transbordar
as nossas emoções, as emoções dos ex-residentes do Dante Pazzanese, naquela
inesquecível manhã do sábado, 14 de março de 2009.
O desafio à resistência dos nossos corações começara na véspera, por ironia uma
sexta-feira 13, quando o talento e a sensibilidade da Dra. Amanda Souza,
diretora do instituto, e a competência e o dinamismo do Dr. Carlos Gun,
presidente da comissão organizadora do jubileu, nos proporcionaram inesquecíveis
momentos de recordações tão caras e a celebração de valores tão essenciais à
sobrevivência da dignidade do ser humano, quanto menosprezados e reduzidos a pó
pela ideologia da sociedade do consumo, muito mais preocupada em “ter” do que em
“ser”.
Essa cerimônia inaugural do jubileu de ouro do Dante foi a expressão da
perfeição. A começar pela composição da mesa, com lugares reservados aos
representantes dos ex-residentes da primeira turma e das regiões geográficas do
nosso país, predominando sobre os destinados às autoridades.
Os discursos dos oradores da “casa” – Dra. Amanda e Dr. Adib Jatene – ao
registrarem, para a memória da instituição, os passos que foram dados pelos que
a conceberam e a desenvolveram a partir do pioneirismo do Dr. Dante Pazzanese
adquiriram o status de peças antológicas a serem perenizadas pelos que tiveram o
privilégio de ouvi-los. E que se eternizem, no papel, arquivados no setor de
relíquias da biblioteca do instituto. Ouvi-los e senti-los foi, para os
ex-residentes, a emoção maior daquela noite – uma sexta-feira 13 – de
inigualável felicidade, quando estávamos a rememorar os momentos mais felizes e
decisivos da nossa formação humana e profissional.
Parecia, até aquele momento, que nada mais poderia testar nossa capacidade de
nos emocionar. Ledo engano. Eis que somos convidados a participar de uma
homenagem à memória do Dr. José Hortencio de Medeiros Sobrinho, o radiologista
do instituto, o insuperável intérprete das imagens do coração e criador de
tantas outras, pelo dom das suas mãos, artífices de desenhos e pinturas,
testemunhas dos insondáveis mistérios da alma. Nossa presença testemunhal à
inauguração do espaço José Hortencio foi a última gota a ser contida – sem
transbordar – pelo recipiente das nossas mais caras emoções.
Voltando à manhã do sábado, as duas conferências, sabiamente não médicas, foram
portadoras de mensagens que a todos fizeram bem. O Dr. Mendonça de Barros (que
eu não sabia ser filho do Dr. Leovigildo, companheiro do Dr. Dante, com quem
tive o prazer de conviver, no instituto, em 1967) traduziu para nós, na nossa
língua – pobres mortais cardiologistas – a tal crise da economia mundial,
dispensando o hermético economês, pródigo em causar náuseas...
Seguiu-se a manifestação do Dr. Ozires Silva, um jovem octogenário que criou a
Embraer, a dizer-nos: não se deixem derrotar pela crise, ela passará e tratem de
aproveitar as oportunidades, que nem sempre passam outra vez. Foi o máximo o Dr.
Ozires ter mostrado que, em última análise, a Embraer, fabricante de aviões
presente em 70 países, “nasceu” de um mal tempo que obrigou o avião do
presidente Costa e Silva a pousar em São José dos Campos. Lembremo-nos do
episódio: o Dr. Ozires, então oficial da Aeronáutica, fez a recepção ao
presidente e, conversa vai, conversa vem, propôs que o Governo criasse uma
empresa para construir aviões, de pronto rejeitada por Costa e Silva. Autorizada
a decolagem do avião presidencial, o presidente, meia escada acima, parou,
desceu e dirigiu-se a Ozires, dizendo: vamos pensar na proposta, encaminhe o
projeto! Não preciso lembrar o que aconteceu depois...
Por fim, como se fosse possível oferecer algo mais ao nosso espírito plenamente
extasiado, eis que adentra o auditório do Dante a orquestra do pianista e
regente João Carlos Martins, após ter sido projetado um filme sobre a vida do
consagrado artista, filmado nos principais templos da música clássica mundial. E
nos embevecemos com a extraordinária performance desse virtuose do piano, com
notável sensibilidade interpretativa aliada à velocidade da interpretação. Ele
estava ali como partícipe do nosso jubileu, regendo a sua Orquestra Filarmônica
Bachiana, daqueles jovens talentos por ele descobertos na periferia da grande
São Paulo, a ocupar o pouco que ainda restava (restava?) do espaço das nossas
emoções. Que lição ele nos deu! Os dedos tão ágeis outrora, vitimados por
tragédias sucessivas, agora restritos a uns poucos com a possibilidade de teclar
o piano e, mesmo assim, ele não desistiu! Vê-lo dedilhando o piano, por vezes a
utilizar o cotovelo no esforço desesperado de obter mais uma nota, foi como
assistir uma aula prática de humildade, da capacidade do ser humano de não
desistir, apesar de todos os obstáculos. Aula de que todos estamos precisando,
nestes tempos sombrios de desconstrução dos valores da civilização e do culto do
pragmatismo cínico, do “querer tudo” a “qualquer preço”.
Cardiologista gosta de reabilitação e a tivemos, na festa do jubileu, durante o
jantar dançante no Clube Militar. Os aumentos da pressão, as alterações do ritmo
cardíaco e os desnivelamentos do ST induzidos por tudo o que ocorrera estavam a
merecer terapêutica adequada. Foi o que obtivemos, com pleno êxito, no jantar
dançante do Círculo Militar, o encerramento com chave de ouro das festividades.
O crítico mais exigente, desses que só consegue ver o que não deu certo, sairia
dessa festa com forte tendência suicida, por não ter encontrado nada que pudesse
satisfazer sua vocação iconoclasta.
O que posso dizer, Dra. Amanda, Dr. Adib e Dr. Gun, extensivo a todos os demais,
é que a festa do jubileu de ouro do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia foi
a apoteose dos valores nos quais acreditamos e pelos quais achamos que vale a
pena viver. Ficamos devendo a essa notável instituição, além do muito que nos
legou, esse sentimento de inestimável valor ético, da alma lavada e liberta de
ambições menores, que nos estimula (mesmo aos mais velhos, como este humilde
escriba) a pensar que nada impedirá aos seres humanos bem intencionados – e eles
continuam existindo! – perseguir os caminhos que os conduzirão à paz espiritual,
à prática da justiça e ao ideal da solidariedade.
Vida mais longa ao Dante!
Paulo Roberto Pereira Toscano
Ex-residente, 1967/68
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