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Edição de Maio/ Junho 2009 Ano XVI - Nº 93

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O JUBILEU DO DANTE – MAIS VALIOSO DO QUE O OURO!


Estou ouvindo, nesta nublada manhã domingueira do inverno tropical, as “Paixões” do João Carlos Martins, o extraordinário pianista e regente que fez transbordar as nossas emoções, as emoções dos ex-residentes do Dante Pazzanese, naquela inesquecível manhã do sábado, 14 de março de 2009.

O desafio à resistência dos nossos corações começara na véspera, por ironia uma sexta-feira 13, quando o talento e a sensibilidade da Dra. Amanda Souza, diretora do instituto, e a competência e o dinamismo do Dr. Carlos Gun, presidente da comissão organizadora do jubileu, nos proporcionaram inesquecíveis momentos de recordações tão caras e a celebração de valores tão essenciais à sobrevivência da dignidade do ser humano, quanto menosprezados e reduzidos a pó pela ideologia da sociedade do consumo, muito mais preocupada em “ter” do que em “ser”.

Essa cerimônia inaugural do jubileu de ouro do Dante foi a expressão da perfeição. A começar pela composição da mesa, com lugares reservados aos representantes dos ex-residentes da primeira turma e das regiões geográficas do nosso país, predominando sobre os destinados às autoridades.

Os discursos dos oradores da “casa” – Dra. Amanda e Dr. Adib Jatene – ao registrarem, para a memória da instituição, os passos que foram dados pelos que a conceberam e a desenvolveram a partir do pioneirismo do Dr. Dante Pazzanese adquiriram o status de peças antológicas a serem perenizadas pelos que tiveram o privilégio de ouvi-los. E que se eternizem, no papel, arquivados no setor de relíquias da biblioteca do instituto. Ouvi-los e senti-los foi, para os ex-residentes, a emoção maior daquela noite – uma sexta-feira 13 – de inigualável felicidade, quando estávamos a rememorar os momentos mais felizes e decisivos da nossa formação humana e profissional.

Parecia, até aquele momento, que nada mais poderia testar nossa capacidade de nos emocionar. Ledo engano. Eis que somos convidados a participar de uma homenagem à memória do Dr. José Hortencio de Medeiros Sobrinho, o radiologista do instituto, o insuperável intérprete das imagens do coração e criador de tantas outras, pelo dom das suas mãos, artífices de desenhos e pinturas, testemunhas dos insondáveis mistérios da alma. Nossa presença testemunhal à inauguração do espaço José Hortencio foi a última gota a ser contida – sem transbordar – pelo recipiente das nossas mais caras emoções.

Voltando à manhã do sábado, as duas conferências, sabiamente não médicas, foram portadoras de mensagens que a todos fizeram bem. O Dr. Mendonça de Barros (que eu não sabia ser filho do Dr. Leovigildo, companheiro do Dr. Dante, com quem tive o prazer de conviver, no instituto, em 1967) traduziu para nós, na nossa língua – pobres mortais cardiologistas – a tal crise da economia mundial, dispensando o hermético economês, pródigo em causar náuseas...

Seguiu-se a manifestação do Dr. Ozires Silva, um jovem octogenário que criou a Embraer, a dizer-nos: não se deixem derrotar pela crise, ela passará e tratem de aproveitar as oportunidades, que nem sempre passam outra vez. Foi o máximo o Dr. Ozires ter mostrado que, em última análise, a Embraer, fabricante de aviões presente em 70 países, “nasceu” de um mal tempo que obrigou o avião do presidente Costa e Silva a pousar em São José dos Campos. Lembremo-nos do episódio: o Dr. Ozires, então oficial da Aeronáutica, fez a recepção ao presidente e, conversa vai, conversa vem, propôs que o Governo criasse uma empresa para construir aviões, de pronto rejeitada por Costa e Silva. Autorizada a decolagem do avião presidencial, o presidente, meia escada acima, parou, desceu e dirigiu-se a Ozires, dizendo: vamos pensar na proposta, encaminhe o projeto! Não preciso lembrar o que aconteceu depois...

Por fim, como se fosse possível oferecer algo mais ao nosso espírito plenamente extasiado, eis que adentra o auditório do Dante a orquestra do pianista e regente João Carlos Martins, após ter sido projetado um filme sobre a vida do consagrado artista, filmado nos principais templos da música clássica mundial. E nos embevecemos com a extraordinária performance desse virtuose do piano, com notável sensibilidade interpretativa aliada à velocidade da interpretação. Ele estava ali como partícipe do nosso jubileu, regendo a sua Orquestra Filarmônica Bachiana, daqueles jovens talentos por ele descobertos na periferia da grande São Paulo, a ocupar o pouco que ainda restava (restava?) do espaço das nossas emoções. Que lição ele nos deu! Os dedos tão ágeis outrora, vitimados por tragédias sucessivas, agora restritos a uns poucos com a possibilidade de teclar o piano e, mesmo assim, ele não desistiu! Vê-lo dedilhando o piano, por vezes a utilizar o cotovelo no esforço desesperado de obter mais uma nota, foi como assistir uma aula prática de humildade, da capacidade do ser humano de não desistir, apesar de todos os obstáculos. Aula de que todos estamos precisando, nestes tempos sombrios de desconstrução dos valores da civilização e do culto do pragmatismo cínico, do “querer tudo” a “qualquer preço”.

Cardiologista gosta de reabilitação e a tivemos, na festa do jubileu, durante o jantar dançante no Clube Militar. Os aumentos da pressão, as alterações do ritmo cardíaco e os desnivelamentos do ST induzidos por tudo o que ocorrera estavam a merecer terapêutica adequada. Foi o que obtivemos, com pleno êxito, no jantar dançante do Círculo Militar, o encerramento com chave de ouro das festividades. O crítico mais exigente, desses que só consegue ver o que não deu certo, sairia dessa festa com forte tendência suicida, por não ter encontrado nada que pudesse satisfazer sua vocação iconoclasta.

O que posso dizer, Dra. Amanda, Dr. Adib e Dr. Gun, extensivo a todos os demais, é que a festa do jubileu de ouro do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia foi a apoteose dos valores nos quais acreditamos e pelos quais achamos que vale a pena viver. Ficamos devendo a essa notável instituição, além do muito que nos legou, esse sentimento de inestimável valor ético, da alma lavada e liberta de ambições menores, que nos estimula (mesmo aos mais velhos, como este humilde escriba) a pensar que nada impedirá aos seres humanos bem intencionados – e eles continuam existindo! – perseguir os caminhos que os conduzirão à paz espiritual, à prática da justiça e ao ideal da solidariedade.

Vida mais longa ao Dante!

Paulo Roberto Pereira Toscano
Ex-residente, 1967/68


 


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