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Jornal SBC 116 | Março 2012
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DIRETORIA
SBC, SBHCI e SBCCV unem esforços para
reduzir mortes de crianças portadoras de
cardiopatias congênitas
A Sociedade Brasileira de Cardiologia, (SBC) a Sociedade
Brasileira de Cirurgia Cardiovascular (SBCCV) e a
Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia
Intervencionista (SBHCI) decidiram unir esforços para
conseguir que o Brasil passe a oferecer oportunidade
de cirurgia a cerca de 16 mil crianças que nascem com
problemas no coração e que morrem a cada ano na fila
de espera por uma cirurgia que as salvaria, mas que não
é realizada por falta de recursos.
O problema, explica o presidente da Sociedade
Brasileira de Cardiologia, Jadelson Andrade, é que
a cada ano nascem cerca de 24 mil crianças com
cardiopatias congênitas, e algumas vezes é possível
detectar a doença ainda no útero, mas o país não conta
com a infraestrutura necessária, nem com suficiente
mão de obra capacitada em diversos Estados para esse
tipo de cirurgia. Nos Estados onde existem centros
de referência para esse tipo de cirurgia, falta dotação
orçamentária, fazendo que um número expressivo de
crianças permaneça em filas de espera e acabam indo
a óbito antes de terem a oportunidade de ser operadas.
O problema é tão grave, que o presidente da SBC já teve
oportunidade de abordar recentemente o assunto coma
presidenta Dilma Roussef, que se mostrou sensibilizada
com a gravidade do problema.
“Há muita diferença entre operar o coração de um
adulto e o de uma criança, que é uma cirurgia de alta
complexidade”, explica o cirurgião Fábio Jatene, e há
necessidade de financiar hospitais e serviços para que
passem a ter os equipamentos necessários, inclusive
nas UTI. É preciso capacitar e treinar um maior número
de cirurgiões nessa área, bem como cardiologistas
pediátricos, intensivistas, suporte de enfermagem,
fisioterapia, e fazer um planejamento para que haja
uma distribuição territorial adequada dos centros
especializados ao atendimento onde as crianças
possam ser operadas, flexibilizando as regras para
credenciamento dos serviços. “Sem esses cuidados, o
Brasil continuará operando entre sete e oito mil crianças
por ano”, diz o presidente da Sociedade Brasileira de
Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista, Marcelo
Queiroga, e deixando de atender outras 16 mil.
O consenso sobre a necessidade de um planejamento
para evitar essas mortes levou o presidente da SBC
a convocar, na semana passada, em São Paulo, uma
reunião com o presidente da Sociedade Brasileira de
Cirurgia Cardiovascular,Walter Gomes, como presidente
da SBHCI, Marcelo Queiroga, presentes também os
representantes da área científica das entidades, Fabio
Jatene, Pedro Lemos e Luiz Alberto Mattos.
No encontro ficou decidido que as três sociedades, que
reúnemmais de 13mil cardiologistas, farão um trabalho
conjunto para levantar a exata demanda de cirurgias
cardíacas pediátricas por região territorial, os centros
já capacitados a atender essa demanda, e definirão os
serviços e hospitais que podem ser adaptados para esse
tipo de intervenção e qual o custo para essa capacitação,
para que esse projeto com valores definidos seja levado
ao Ministério da Saúde em nome das três sociedades,
objetivando a solução do problema.
“Esta é a primeira vez que as três entidades lideradas
pela SBC unem esforços para equacionar um problema
que se agrava”, diz Walter Gomes, da SBCCV. Ele tem
certeza de que a questão será resolvida, pois lembra que
“se isoladamente cada sociedade médica tem imensa
credibilidade perante a população e o governo, unidas
terão muito mais condições de exigirem a solução
desse grave problema de Saúde Pública”. Essa união é
necessária também para que cada criança cardiopata
seja avaliada conjuntamente por um cardiologista
pediátrico, por um cirurgião e pelo hemodinamicista,
de forma a garantir a melhor opção de tratamento para
cada caso, pois, como dizem os médicos, há grande
variedade de problemas cardíacos na infância, exigindo
soluções igualmente diversas.
O financiamento da infraestrutura terá que ser feito pelo
governo, dizem os especialistas, pois há necessidade
da criação, em todas as regiões do país, de centros
especializados em atendimento a crianças portadoras
de cardiopatias congênitas e colocar em operação
plena aqueles já existentes. Acreditam firmemente os
presidentes das entidades que será necessária a criação,
no âmbito do Ministério da Saúde, de uma “secretaria
especial” com dotação de verbas específicas para
suporte econômico a esses centros e a consequente
viabilização das cirurgias.
As sociedades assumirão a responsabilidade de levantar
a realidade epidemiológica do país nesse aspecto e
elaborar um projeto que viabilize rapidamente o início
do atendimento a essas crianças e, dessa forma, tentar
reduzir esse cruel perfil epidemiológico atual, unindo
esforços de cardiologistas pediátricos, cardiologistas
intensivistas especializados nesse tipo de situação,
cirurgiões cardíacos e cardiologistas intervencionistas.
Segunda causa de morte
Para Walter Gomes, a situação é complexa, “e difere
nos vários Brasis que coexistem”, pois em São Paulo,
onde não há mais mortes por desnutrição e se reduziu
drasticamente a mortalidade infantil por doenças
infecciosas e por desidratação, as cardiopatias congênitas
já são a segunda causa de morte em crianças até 16 anos.
Mas mesmo nesse Estado, não tem sido possível operar
todas as crianças que necessitam de cirurgia.
O especialista diz que no Norte e Nordeste a carência
é maior, falta acesso ao tratamento, hierarquização e
também treinamento: “é preciso capacitação especial
para que o cirurgião seja capaz de operar uma criança
que já nasceu com baixo peso e cujos órgãos são
minúsculos”.
“O Brasil tem que buscar solução própria”, diz Marcelo
Queiroga, “porque em países como a Inglaterra e
a França, por exemplo, não há tanta cardiopatia
congênita, devido à institucionalização do aborto”.
O médico explica que muitas mulheres europeias
preferem abortar um feto que sabem nascerá com uma
cardiopatia e tentar ter uma criança saudável em outra
gravidez. “É uma solução cruel, que não existe no Brasil”,
diz o médico, por isso a união das três sociedades para
sugerir um modelo adequado.
Mesmo quando há centros de excelência e salas
cirúrgicas adequadas, faltam recursos, diz Jadelson, que
dá o exemplo de hospitais credenciados pelo SUS e que
no dia 10 de cada mês esgota a quota de atendimento
por indisponibilidade financeira, o que deixa crianças
na fila, muitas condenadas à morte. Um outro aspecto
relevante que o presidente da SBC apresenta é o
de que o seguimento de operadoras e planos de
saúde suplementar, por considerarem as cardiopatias
congênitas como doença preexistente, não liberam o
atendimento a esses pacientes, oque agrava oproblema,
uma vez que essas crianças são encaminhadas para
atendimento pelo SUS. “Um dos nossos objetivos ao
finalizar o projeto é interagir intensamente com a ANS
para modificar esse panorama”, afirma.
Conclui o presidente considerando que essa situação é
inaceitável e não pode perdurar também porque “hoje
grande parte dessas cardiopatias congênitas tem alto
potencial cirúrgico de cura e a cardiologia brasileira, pela
posição que tem hoje no país e no mundo, não pode
ficar à margem desse processo, e não ficará”, assegura.
É a primeira vez que três entidades lideradas pela SBC se reúnem para equacionar um problema que se agrava e
atinge 16 mil crianças.
Foto:
Divulgação SBC
Reunião aconteceu na sede da SBC em São Paulo