Jornal SBC 128 | Março 2013
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Sistema público de saúde
DEFESA PROFISSIONAL
O
Brasil
está
perto
dos
200
milhões
de
habitantes, com cerca de
150 milhões dependendo
exclusivamente do Sistema
Único de Saúde (SUS).
Quem pode paga um plano
de saúde. Atualmente, ter
assistência médica privada
é o segundo “objeto de
desejo”
do
brasileiro,
perdendo somente para a
casa própria.
Esse anseio tem várias
explicações. Uma importante é que o SUS projetado,
concebido e desejado é bastante diferente daquele
com que deparamos no cotidiano. O governo tenta
explicar que é por causa da falta de médicos, porém
precisa ser claro com a população e dizer, por exemplo,
quanto o SUS paga por uma consulta de um pediatra,
de um ginecologista (menos de R$ 3). O povo precisa
saber, ainda, quanto o SUS paga por uma cirurgia de
adenoide-amígdala (R$ 183,41); para retirar o apêndice
(R$ 161,03) – esses valores incluem cirurgião, assistente
e anestesiologista –; para uma curetagem uterina
(R$ 67,03); para uma ultrassonografia abdominal (R$
24,20); para um raio X do tórax (R$ 14,32).
O governo precisa dizer em quantas cidades
não se consegue fazer um hemograma ou uma
ultrassonografiadequalidade. Aí, sim, dizer dequantos
médicos o Brasil precisa, em quais especialidades/
áreas do conhecimento, para trabalhar onde, em que
condições e com qual remuneração.
Temos quase 400 mil médicos no Brasil, que se
concentram nas capitais e nas grandes cidades.
Isso não é responsabilidade dos médicos nem da
comunidade. É consequência da inoperância do
governo, que não cria condições adequadas de
trabalho em vários municípios e não paga salários
dignos, com vínculo formal de trabalho. Governos das
três esferas: municipal, estadual e federal.
Não adianta as prefeituras aqui e acolá acenarem com
salários atraentes, porém sem adequadas condições
de trabalho e sem vínculo formal de trabalho.
Querem um médico missionário que se mude para
uma localidade onde não terá estrutura adequada
para atender a população, sem equipamentos para
auxiliá-lo quando necessário, sem uma equipe
multiprofissional e, muitas vezes, solitário. Ele não
terá boa escola para seus filhos nem facilidades para
se manter atualizado.
Fala-se que vem aí mais um pacote governamental,
ampliando vagas nas escolas médicas existentes, criando
mais escolas e abrindo as fronteiras para que profissionais
formados no exterior venham trabalhar no país sem que
atestem estar aptos a atender a população, por meio de
umexame nosmoldes do ExameNacional de Revalidação
de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de
Educação Superior Estrangeiras (Revalida).
Precisamos
comprovar
seus
conhecimentos,
habilidades e atitudes, para que não ponham em risco
nossos cidadãos, principalmente os mais carentes.
Será que o governo tem noção de que está criando a
medicina dos pobres? Quem vai ser atendido pelos
médicos formados fora do Brasil, nas cidades de difícil
acesso e provimento? Fazem comparações absurdas,
citando número de médicos estrangeiros nos Estados
Unidos, no Canadá, na Inglaterra. Para os desavisados,
nesses países os estrangeiros costumam ser recrutados,
convidados, pois se destacam em suas respectivas
áreas, são os melhores. Vamos trazer de volta ao Brasil os
inúmeros bons médicos brasileiros que trabalham nos
Estados Unidos, no Canadá, na Inglaterra. O governo
oferece aos médicos daqui o mesmo que está a oferecer
aos formados fora? Qual a oferta?
O governo precisa criar políticas de Estado, e não
políticas eleitoreiras de governos, para melhor
distribuir os médicos no Brasil. Pergunto: qual
o diagnóstico de nossas autoridades sobre a
distribuição geográfica de profissionais? Em que
áreas do conhecimento precisaríamos de médicos?
De quantos pediatras, anestesiologistas, geriatras,
intensivistas, médicos de família e comunidade
necessitamos hoje e de quantos precisaremos daqui a
5, 10, 20 anos? A preocupação tem sido somente com
quantidade. Nós defendemos qualidade.
Soluções existem, desde que sejam encaradas
verdadeiramente, e não criando subterfúgios ou
procurando culpados. É notório o subfinanciamento
da saúde pública brasileira (hoje, cerca de R$ 2 por
habitante/dia). O Brasil investe menos em saúde
(percentual do PIB) do que a média dos países africanos
e do que outros países da América do Sul. É amadora
a gestão em vários locais nas esferas federal, estadual
e municipal. São vergonhosos os desvios que ainda
teimam em ocorrer.
Como se conseguem facilmente tantos recursos
para estádios de futebol e não temos recursos para
financiar adequadamente a saúde da população?
Sabe-se que ao longo dos últimos anos a esfera federal
se vem desonerando em relação aos investimentos na
saúde, quando comparados aos recursos de Estados
e municípios. Quem mais arrecada tributos no Brasil
(uma das maiores cargas tributárias do mundo) é o
governo federal e hoje ele contribui menos do que
Estados e municípios juntos.
Além da falta de recursos, a distribuição não se dá
de forma equitativa. Vários bons serviços existentes
não são acessíveis a todos e a qualidade deixa a
desejar em inúmeras situações. Muitos dos que
necessitam desses serviços não conseguem tê-los
porque continuam longas as filas de espera para
consultas, exames e cirurgias. Não se mensuram
rotineiramente os resultados produzidos pelas
diferentes intervenções. Sabe-se, há muito tempo,
que o maior impacto nos custos da saúde são rapidez
e qualidade do acesso. Neste momento, não temos
acesso a todos os serviços no SUS e muitos desses
serviços têm qualidade questionável.
A saúde é o nosso bem maior e o povo brasileiro
merece respeito. Vamos, juntos, dar um basta nessa
situação que aumenta o sofrimento do nosso povo,
especialmente do mais pobre e carente.
* Florentino Cardoso é presidente da Associação
Médica Brasileira.
José Xavier de Melo Filho
Diretor de Qualidade
Assistencial da SBC
josexavier@cardiol.br