Jornal SBC 145| Agosto 2014 - page 29

Jornal SBC 145 · Agosto · 2014
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Os pequenos corações valentes
O século 20 foi dedicado às
doenças do coração. Hoje
vivemos a era do câncer e
do cérebro. Mas os avanços
na Cardiologia continuam,
impulsionados pelos grandes
investimentos em drogas e
em tratamentos por cateter,
como o implante de válvulas
dentro do coração sem a
necessidade de abrir o tórax.
No entanto, na área das doenças cardíacas de
crianças o que aprendemos no século 20 não está
beneficiando a todos os pequenos pacientes. As
crianças nascidas com malformações do coração
são em maior número do que as portadoras de
câncer. No Brasil são 27 mil casos anuais contra
12 mil. E, infelizmente, as crianças cardiopatas
continuam nascendo em ritmo de sete por mil
nascimentos, muitas delas exigindo tratamento
com apenas algumas horas de vida.
A cirurgia é, em geral, realizada já nos primeiros
dias ou meses. São procedimentos complexos
em que a habilidade do cirurgião, o treinamento
da equipe de médicos e enfermeiros e a
sofisticação tecnológica dos equipamentos são
os pré-requisitos mais necessários. A boa notícia
é que 90% sobrevivem e chegam bem à idade
adulta. Recém-nascidos são frágeis, exigem
cuidados muito sofisticados. E os pediatras,
punidos por baixas remunerações, desistiram.
Os intensivistas pediátricos, aqueles que faziam
milagres em UTIs, foram se dedicar a tarefas
mais simples e melhor remuneradas.
Aqui no Rio Grande do Sul apenas dois hospitais
em Porto Alegre executam cirurgias complexas
sobre o coração das crianças. E ambos estão
sufocados pelas longas listas de espera, pelas
UTIs lotadas, pela pressão dos pais e dos juízes
que emitem liminares exigindo leitos que não
existem. E, principalmente, sobrecarregados
pelo endividamento causado por procedimentos
só parcialmente cobertos pelas tabelas do
SUS, único abrigo para 90% dessas crianças.
Diante do alto custo e do prejuízo da pediatria
especializada, os hospitais preferiram fechar
suas unidades e cair fora de um sistema que
poderia levá-los à falência. Nos três estados do
sul nascem anualmente três mil crianças com
defeitos cardíacos e somente 1500 recebem
diagnóstico e tratamento cirúrgico adequado.
Este problema é fácil de passar despercebido
porque os que não conseguem chegar ao hospital
simplesmente perdem a vida rapidamente,
metade deles já no primeiro ano de vida. Antes
mesmo do primeiro sorriso. Por isso é importante
esse alerta à sociedade e ao Governo: salvem
nossos pequenos corações valentes!
Fernando Lucchese
é cirurgião cardiovascular, chefe da
Cardiologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
Opinião
Fernando Lucchese
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