Jornal SBC 160 | Novembro 2015 - page 29

Jornal SBC 160 · Novembro · 2015
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Artigo
O
compliance
, entendido como prática de
obter vantagens indevidas em decorrência
de ações realizadas por pessoas investidas de
autoridade, foi contundentemente criticado
por Marcia Angell, professora de Harvard,
que por duas décadas foi editora responsável
da
Revista New England Journal of Medicine
(NEJM). Em seu livro
The truth about the
drug companies
, a autora relata como as
empresas farmacêuticas se afastaram de
sua missão original de pesquisar e produzir
novos medicamentos tendo como única
preocupação o bem-estar do paciente para
se transformarem em instituições que visam,
primordialmente, o lucro. Oferece detalhes
de como conseguiram influenciar publicações
científicas com desvios éticos, estabelecer
fortíssimo
lobby
junto ao Congresso
norte‑americano e, sobretudo, seduzir enorme
contingente de professores de medicina que se
transformaram em funcionários com a precípua
missão de defender o consumo generalizado
e acrítico das novas drogas. No editorial de
18 de maio da NEJM de 2000, apresenta a
inquietante questão dirigida aos médicos:
“como acreditar que esses profissionais bem
pagos pelas empresas possam estar imunes a
conflitos de interesses?”.
Exemplo atual que bem demonstra o alcance
desses desvios éticos podemos constatar
na última versão do
Manual de Transtornos
Mentais
da Associação Americana de
Psiquiatria (DSM V) aprovado pela entidade
em 2013, onde aparece como novo transtorno
mental a síndrome de risco de psicose,
condição descrita como observada em pessoas
potencialmente psicóticas que deverão ser
medicadas preventivamente. Uma avaliação
bastante crítica do DSM V foi publicada na
Revista
Posto Science
de 2013 de autoria do
insuspeito neurocientista Allen Frances, que
assim se pronunciou: “A única maneira de
evitar os perigos do DSM V é estar plenamente
consciente deles. Não Faz absolutamente
sentido fixar o rótulo enganoso e estigmatizante
de síndrome de risco de psicose em alguém
que, em condições típicas, terá apenas cerca
de 10% de chance de se
tornar psicótico.
E, certamente,
não faz sentido
reconhecer esse
diagnóstico errado
com tratamentos
antipsicóticos sem
c omp r o v a ç ã o
e potencialmente
muito prejudiciais”.
A triste figura do
compliance
no exercício da medicina
“Trainees now receive free meals and other substancial favors from drug companies
virtually daily, and they are often invited to opulente dinners and other quasi-
social events to hear lectures on various medical topics. Can we believe that clinical
researches are more immune to self-interest than other people?”
Angell,M. “Is academic medicine for sale? NEJM(editorial); 342(20), May 18, 2000: 1516‑18
1...,19,20,21,22,23,24,25,26,27,28 30,31,32
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