Verdades e incertezas
Robert Liston era considerado o bisturi mais rápi-
do do mundo. Em 1840, em Londres, o cirurgião
era uma verdadeira lenda viva. No tempo em que
ainda não havia a anestesia – e se usava a em-
briaguez pelo rum ou pelo ópio, hipnotismo, ou
ainda se podia morder um pano enrolado em um
bastão –, a velocidade na cirurgia era diretamente
proporcional ao tempo de sofrimento e dor.
A reputação da habilidade de Liston em extirpar tu-
mores enchia a sua clínica de doentes, que escu-
tavam seus gritos na sala cirúrgica anexa: “crono-
metrem senhores, cronometrem”. A velocidade do
médico só não era maior que a sua altivez. Embora
tivesse operado milhares de doentes, sua empáfia
ajudou a tornarem mais célebres os seus fracassos
que as suas curas.
Conta a história que, no mais famoso de seus ca-
sos, amputou uma perna em menos de 3 minutos,
mas o paciente morreu de gangrena algum tempo
depois, o que frequentemente ocorria na era pré-
-listonriana em que não se conhecia a antissepsia.
No procedimento, amputou também dois dedos de
seu jovem assistente, que também morreu mais
tarde pelo mesmo motivo. E cortou ainda parte da
roupa de um ilustre expectador presente ao ato
que, provavelmente aterrorizado pela possibilida-
de de ter sido perfurado, caiu morto subitamente.
Foi a única operação da história com taxa de mor-
talidade de 300 por cento.
Esse fato, narrado por Richard Gordon em
Os
grandes desastres da medicina
, revela a dualidade
muitas vezes presente na medicina. De um lado, o
humanismo, alma da verdadeira vocação médica,
de outro, a imodéstia de muitos doutores, provável
origem das críticas à nobre profissão.
Lamentavelmente, a soberba é um vício comum
entre os discípulos de Hipócrates. Ouvi de um ad-
ministrador da área de saúde, certa vez, que mais
difícil que equilibrar os altos custos da medicina
é balancear os egos dos médicos. Embora Osler
tenha sabiamente determinado que “a medicina é
a ciência da incerteza e a arte da probabilidade”,
ainda há entre nós os que se consideram donos
absolutos da verdade. Mas é o próprio Hipócra-
tes, o pai da medicina, que nos faz refletir sobre
nossas condutas: “A vida é curta, a arte é longa, a
oportunidade é fugaz, a experiência enganosa, o
julgamento difícil”.
Tive o prazer de começar este domingo com o
Jornal
SBC
4/2016 nas mãos. Bela apresentação gráfica
e um conteúdo de ótima qualidade, diversificado,
atraente, mostrando o talento dos que o fizeram:
usar a leveza de um jornal informativo para abordar
temas culturais e profissionais relevantes. Ter
começado o dia com essa leitura foi muito bom.
Destaco os textos “Palavra do Presidente” e “Relação
Médico-Paciente” pela sua alta qualidade e, através
deles, saúdo os autores dos demais. Na pessoa
do editor Carlos Eduardo Suaide Silva, abraço
todos os que contribuíram para proporcionar aos
leitores do Jornal momentos de prazer intelectual.
Cordial abraço.
Paulo Toscano, Belém/PA
Palavra do Presidente
MARCUS VINÍCIUS BOLÍVAR MALACHIAS
Leitor
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Jornal SBC
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