Jornal SBC 180 | Julho 2017 - page 3

Receita Médica
para um País Enfermo
O quadro clínico é grave. O diagnóstico é de falência de
múltiplos órgãos. O País respira por aparelhos, o nível de
consciência está rebaixado, mas o coração ainda pulsa e
mantém os dados vitais. O caso requer cuidados de terapia
intensiva e a medicina deve ser consultada quanto ao me-
lhor tratamento.
Vivemos um tempo de desalento, incertezas, de desencan-
tamento. Avolumam-se provas do despudor dos governan-
tes, traindo a confiança e ferindo a esperança da nação. Em
meio a políticos náufragos e partidos submersos, o país,
como uma nau sem rumo, se divide entre doutrinas coléri-
cas e desmedidas paixões e se degrada em violência, ra-
dicalismo e intolerância, só vencidos pela apatia de tantos,
descrentes do futuro.
Somos médicos. Nossa caminho é da luta, da mais difícil
delas, contra a morte. Nosso mister é enfrentar, sem armas
mas com determinação e conhecimento, grandes e desco-
nhecidos desafios que se impõem a cada instante. Não nos
importa o prognóstico e as condições da batalha. Temos
sempre de encontrar forças para preservar a vida.
Somos cardiologistas. Somos movidos pelo coração, órgão
que é o motor da vida e origem de tantas palavras inspira-
doras; como
‘acordar’
– e nunca foi tão importante abrir os
olhos para a realidade; e
‘coragem’
- o imprescindível viço
que nos impulsiona a promover mudanças.
Sim, nós médicos temos o que receitar ao País enfermo.
Mesmo cientes de que na medicina, como em qualquer pro-
fissão, há também os que sigam por descaminhos, os mé-
dicos devotados sabem que em situações de emergência
deve-se agir contra o tempo e em favor da vida, com de-
terminação e sem distinção de ideologias, religiões, raças,
classe social, poder econômico, gênero ou quaisquer outras
condições.
É chegada a hora de desfibrilarmos as fúrias sectárias, de
infundirmos civilidade e cidadania, de imunizarmos as cores
dos estandartes, de erradicarmos a violência, de aplacar-
mos o fanatismo, de estancarmos o ódio, de ressuscitarmos
a esperança e de despertarmos a paz.
Como dizia Mahatma Gandhi, não se pode admitir “riqueza
sem trabalho, prazeres sem escrúpulos, conhecimento sem
sabedoria, comércio sem moral, política sem idealismo, reli-
gião sem sacrifício e ciência sem humanismo”.
É chegada a hora de compreendermos que mesmo com a
melhor receita, a cura depende do desejo de ser curado,
assim como da adesão ao tratamento.
Palavra do Presidente
MARCUS VINÍCIUS BOLÍVAR MALACHIAS
Foto: Pedro Vilela
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