Jornal SBC 209 | dezembro 2019

Protásio Lemos da Luz é Professor Sênior de Cardiologia do InCor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) Volta ao básico A boa prática médica se baseia em al- guns elementos fundamentais: fisiolo- gia, fisiopatologia, evolução natural das doenças, conhecimento dos avanços tecnológicos e das pessoas. Já a medi- cina atual caracteriza-se por ser eficaz, altamente tecnológica, cara e impes- soal. Neste cenário, o médico fica ex- posto a dilemas, especialmente quanto à aplicação de novas tecnologias. De fato, tal professional é constantemente ‘assediado’ com propagandas de novas tecnologias, novas “descobertas”. Mas de fato o que se nota com frequência é a falta de conhecimentos básicos de medicina. Certos médicos tentam suprir essa lacuna simplesmente com mais exames, de preferência mais novos. Um exemplo são os exames de ima- gem, como tomografias de coronárias. A indicação destas, às vezes, chega ao ridículo. Outro exemplo são os “ check- -ups ”, nos quais uma bateria de exames desnecessários é realizada em indiví- duos jovens, sadios e assintomáticos. Conforme demonstrado numa grande revisão da Cochrane, essa abordagem não influenciou o curso de doenças car- diovasculares, nem de cânceres. Isso também se aplica a diagnósticos de pe- quenos tumores da tireoide. Esse tipo de abordagem sobrecarrega o sistema de saúde e aumenta custos. Portanto, uma volta ao básico é necessária. É preciso analisar o doente realizando: anamnese, exame físico, antecedentes familiares e hábitos de vida. Com isso, Relação Médico Paciente por Protásio Lemos da Luz podem-se estabelecer boas probabili- dades de diagnóstico e de riscos quanto a complicações e óbito. Só a partir daí, é que se deve pedir exames comple- mentares, os quais, como o nome su- gere, complementam; não substituem. Mesmo porque eventuais achados de exames, em pessoas sadias e assinto- máticas, podem não ter qualquer signi- ficado. Aí é que entra o conhecimento da história natural das doenças, que é fundamental na definição de condutas. Essa visão da hierarquia de exames e condutas deve ser iniciada na escola médica, pois é onde se estabelecem os pilares do conhecimento médico. Portanto, as escolas médicas têm hoje esse papel essencial, reconhecidamen- te difícil, de transmitir conhecimentos estabelecidos e informar, simultanea- mente, as características, vantagens e desvantagens das tecnologias moder- nas. Portanto, a escola médica precisa difundir conhecimento, mas, sobretudo, estimular discernimento e crítica. 36

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