Jornal SBC 204 | julho 2019

Protásio Lemos da Luz é Professor Sênior de Cardiologia do InCor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) O médico vai desaparecer? Há uma tendência de que muitas ta- refas médicas sejam executadas por máquinas: robôs, computadores, inte- ligência artificial e internet. A face mais visível disso é a Telemedicina, com a possibilidade de consultas e orienta- ção terapêutica à distância. Várias dessas tecnologias são, de fato, extraordinariamente precisas, especialmente quando lidam com da- dos objetivos: exames de laboratório e diagnósticos por imagem. Igualmen- te Big Data , prontuários eletrônicos ou formação de consórcios permitem angariar dados individuais e popula- cionais, que forjam conhecimentos baseados em elementos objetivos até então inalcançáveis. Portanto, essas técnicas são indispensáveis hoje e le- varão, sem dúvida, à melhoria do pa- drão de atendimento médico. É o caso de se perguntar: não precisamos mais do médico? Porém, a Medicina se de- dica às pessoas, e estas não são feitas só de células, bioquímica e átomos. O ser humano é um complexo conjunto alma/corpo, e esses dois componen- tes interagem na saúde e na doença. Essa interação tem sido amplamen- te reconhecida no mundo. Não sem razão, grandes universidades, como Harvard, têm lançado iniciativas sobre espiritualidade, saúde pública e prática médica. Quem cuida das emoções, da ansiedade, do medo, da insegurança das relações familiares na doença? Relação Médico Paciente por Protásio Lemos da Luz Hoje, o número de casos de proble- mas emocionais é enorme, e crescen- te; a depressão e a ansiedade nunca foram tão frequentes. Quem exerce medicina de consultório sabe disso. E, nesta área, mesmo a mais avan- çada tecnologia não ajuda. Nenhuma inteligência artificial oferece conforto e compreensão. Nenhum robô toma a decisão final nos casos, considerando doença, evolução natural, aspectos emocionais e econômicos. Neste as- pecto, a medicina é uma arte e, como toda arte, é domínio do homem. Se um dia um computador ainda vai criar uma Última Ceia (criar não copiar), isso só o tempo dirá. Por isso, a figura do médico ainda é imprescindível − não para competir com a tecnologia, mas para usá-la com sabedoria. Se eu tivesse que di- zer aos futuros médicos o que fazer, diria: estudem, sejam atualizados no conhecimento científico, mas não se esqueçam das pessoas. 32

RkJQdWJsaXNoZXIy MjM4Mjg=