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Jornal SBC 136 | Novembro 2013
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ESTILO DE VIDA
Marco Mota |Co-editor
Recentes
estudos
de
intervenção em pacientes
diabéticos utilizando dois
diferentes
inibidores
de
DPP4 (SAVOR e EXAMINE),
embora tenham servido
para demonstrar segurança
de ambos os medicamentos,
não responderam velhas
perguntas sobre o efeito
de fármacos em desfechos
cardiovasculares
(objetivo
secundário).
Permanece
sem resposta o fato de reduzir glicemia e também os
valores da hemoglobina glicada A1c não se traduzir em
benefícios para a população de diabéticos. É verdade
que estudos de curta duração, embora com um número
expressivo de pacientes, parecem não respeitar a
história natural de uma doença crônica e insidiosa.
Será que mudanças profundas no estilo de vida de
pacientes diabéticos poderia promover efeito positivo
no aparecimento de desfechos micro e macrovasculares?
Com esse objetivo foi realizada uma sistemática revisão
da efetividade de intervenções no estilo de vida para
minimizar a progressão para diabetes em indivíduos de
alto risco, ou progressão para desfechos clínicos (tais como
doença cardiovascular oumorte) emdiabéticos do tipo 2.
Foram selecionados estudos clínicos que avaliaram
intervenções com duração de, pelo menos, três meses
para atividade física e dieta. O comparador foram
indivíduos que receberam cuidados-padrão. Nove
estudos randomizados e controlados envolveram
indivíduos com risco para diabetes, e onze com
pacientes já diabéticos. Sete estudos reportaram
que mudanças no estilo de vida foram suficientes
para decrescer o risco de diabetes no final de dez
anos de intervenção. Em pacientes já diabéticos,
dois estudos randomizados (que incluíram também
farmacoterapia) não reportaram melhora em todas
as casas de mortalidade. Apenas um dos estudos
reportou melhora em desfechos microvasculares
depois de treze anos de intervenção.
De forma que mudanças no estilo de vida com dieta e
atividade física foram capazes de diminuir a incidência
de diabetes tipo 2 em pacientes de risco, mas em
pacientes que já tinham diabetes não houve evidência
de que esse tipo de intervenção fosse capaz de reduzir
mortalidade total e nem sugerir benefício em desfechos
cardiovasculares e microvasculares.
Intervenções no estilo de vida de
diabéticos do tipo 2
Algumas lições podemser aprendidas dessas observações,
tais como: a) um estilo de vida saudável, que compreenda
alimentação adequada e atividade física regular, foi
capaz de, mesmo em indivíduos com chance aumentada
de se tornar diabético, surtir um efeito preventivo; b)
possivelmente, a adesão ao estivo de vida saudável foi
mais marcante para os de risco do que para indivíduos
já doentes; c) quando se fala em mudanças na dieta está
implícita a necessidade de rever conceitos alimentares
para toda a vida e não mudanças pontuais que impactam
por pouco tempo; d) no que diz respeito à atividade física,
isso envolve a intensidade e especialmente a frequência
como será desenvolvida e incorporada à vida.
Para os já diabéticos, o resultado dessas observações
não pode ser motivo de esmorecimento. A lição maior
é que já se perdeu tempo, mas a luta contra o tempo
perdido terá ainda recompensa. O curso da doença é
longo e buscar um estilo de vida preferencial e saudável,
mesmo que tardio, pode ser condicionante de uma vida
com menos limitações.
Referência :
Ann Intern Med. 2013;159:543-551.
PONTO DE VISTA
Tratamento da aterosclerose: tarde demais!
Para muitos dos nossos
pacientes essa frase é
verdadeira. Esse título algo
chocante tem o objetivo
de nos fazer refletir que
provavelmente estejamos
tratando nossos pacientes,
com aterosclerose, tarde
demais. As evidências
científicas não deixam
mais dúvidas de que a
aterosclerose tem início
na infância, adolescência
e até mesmo na fase
intrauterina. Será então
que precisamos medicar nossas crianças e jovens para
reduzir em 20% ou 30% desfechos duros de morte e
infarto? Parece quemuita gente já pensa assim. Afinal, será
que não existe prevenção natural para a doença que mais
mata a humanidade?
Nossas atuação e postura como cardiologistas
precisam mudar! Hoje conhecemos quase 95%
das causas desse mal, mas atuamos muito tarde no
processo. Se focarmos em dois problemas básicos,
quase que universais, da maior parte da população
do globo, veremos que a falta de atividade física
e deficiência na alimentação são elementos
fundamentais na gênese desse mal. Após milhares
de anos, com dificuldades de acesso aos alimentos,
guerras e crises, a humanidade passou, nos últimos 50
anos, a comer livremente, e parece que o faz tentando
recuperar o tempo perdido. Não há a menor dúvida
de que ingerimos muito mais calorias do que exigem
nossas necessidades fisiológicas. Paralelamente a isso,
os alimentos industrializados são ricos em açúcares e
gorduras. As crianças, por desinformação ou mesmo
negligência dos pais, bem como por indiferença dos
provedores de saúde, se alimentam em grande parte
com esses produtos que vagarosa e silenciosamente
vão iniciando o processo de aterosclerose em seus
organismos. Olhando para os adultos, o prazer à
mesa parece, para muitas pessoas, ser o momento
de maior felicidade em suas vidas. Comemos muitas
vezes sem a menor responsabilidade quanto aos
efeitos deletérios desses alimentos em nosso
organismo. O outro problema não menos importante,
é a progressiva inatividade física em que estamos
mergulhando. Onde brinca seu filho nas grandes
cidades? Tens tempo para levá-lo a um parque ou
local na natureza para ele correr e brincar livre?
As cidades, cada vez mais repletas de prédios, vias,
ruas para os carros e muito violentas, não permitem
que as pessoas saiam livremente às ruas, para brincar
e até mesmo se locomover, a pé ou de bicicleta.
Resultado desses dois fatores juntos é a epidemia de
obesidade no mundo.
Na idade adulta sabemos que o obeso já tem ou terá
hipertensão ou diabetes ou dislipidemia, além de
Artur Herdy
uma série de marcadores inflamatórios sanguíneos
presentes. Criança obesa tem muita chance de ser um
adulto obeso; logo tudo começa na infância.
Nada do que se diz acima é novidade, mas o que
realmente estamos fazendo, individualmente e pela
população à qual os cuidados de saúde cardiovascular
dependem de nós?
Precisamos urgentemente atuar ante os governantes
influenciando as políticas de saúde para mudar esse
panorama. É preciso mais estímulo ao consumo de
alimentos saudáveis, bem como mais oportunidades
para as pessoas se exercitarem. Ciclovias em todas as
cidades, mais parques, mais segurança. Tudo isso tem
impacto imediato nesse processo de pandemia.
Temos algumas iniciativas, já com sucesso feitas
pela nossa Sociedade Brasileira de Cardiologia
como as campanhas “Eu Sou 12 por 8”, restrições ao
sal, merenda saudável entre outras. Com certeza,
podemos fazer muito mais!
Vamos mudar nossas atitudes mudando o meio
à nossa volta e participando mais do processo de
promoção de saúde. Quem sabe, assim, ao invés de
dar mais uma nova pílula com os fantásticos 30% de
redução de eventos, possamos definitivamente estar
prevenindo e controlando esse grande mal que tira
tantas vidas em nosso meio.
I,II,III,IV,V,VI,VII,VIII,IX XI,XII,XIII,XIV,XV,XVI,XVII,XVIII,XIX,...
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