Jornal SBC 136 | Novembro 2013 - page XI

Jornal SBC 136 | Novembro 2013
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NO CORAÇÃO DO VINHO
Vinho: Ciência e História
Almir Sérgio
Ferraz | Co-editor
Protásio Lemos da Luz
Nesta
segunda
edição,
vamos
resumir
alguns
aspectos
curiosos
da
história do vinho e dados
científicos dos benefícios
dessa
bebida
para
a
saúde. Esses últimos serão
apresentados pelo Prof. Dr.
Protásio Lemos da Luz, que
conduziu várias pesquisas
sobre o assunto no Instituto
do Coração em São Paulo.
História
Não se pode apontar
precisamente o local e a época em que o vinho foi
elaborado pela primeira vez. As mais antigas sementes
de uvas cultivadas foram descobertas na Georgia
(Rússia) e datam de 7000 a. C. (datadas por marcação
de carbono). O
kwervri
(um jarro de argila), existente
no museu de Tbilisi também na Georgia, datado de
5000-6000 a. C, é outra evidência desse período.
Além das regiões ao norte dos Cáucasos (Georgia e
Armênia), a videira também era nativa na Pérsia (Irã)
e no sul da Mesopotâmia (Iraque) entre os rios Tigre e
Eufrates, e por volta de 2000 a. C migrou para a Grécia.
Desenvolvido ao longo da costa do Mediterrâneo, o
vinho seria cultural e economicamente vital para
o desenvolvimento grego. No mundo mitológico,
Dioniso, filho de Zeus e membro do primeiro
escalão do Olimpo, era o deus do vinho (figura 1).
Recentemente, no sul da Grécia, precisamente na
Peloponésia, arqueólogos encontraram a adega do
rei Nestor, de Pilos. A capacidade da adega do rei foi
estimada em seis mil litros, armazenados em grandes
ânforas denominadas “pithoi”. O vinho era levado
até a adega dentro de bolsas de pele de animal que
deviam contribuir para a formação do “buquê” do
vinho. A partir de 1000 a. C., os gregos começam
a plantar videiras em outras regiões europeias.
A bebida embriagou a Itália, Sicília, seguindo a
Península Ibérica. Nessa época também os gregos
fundaram Marselha e comercializaram o vinho com os
nativos, sendo esse o primeiro contato entre a bebida
e a futura França. Existem muitas espécies de uvas,
mas apenas a espécie
Vitis vinifera
encontrada nessas
regiões possui capacidade de acumular açúcar na
proporção de um terço do seu volume, característica
indispensável para a produção de um bom vinho.
Ciência
Observações anatomopa-
tológicas no século XIX já
sugeriamque o consumo de
bebidas alcoólicas protegia
as
artérias
humanas
contra
aterosclerose.
Desde
então
inúmeros
estudos
observacionais
demonstraram esse efeito
protetor. Especificamente,
consumo moderado de
álcool, ie, até 30 gramas/
dia, associava-se a menor
mortalidade global, menor
mortalidade cardiovascular, menor incidência de morte
súbita e infarto do miocárdio, em várias populações de
diferentes regiões do mundo. Em todos esses estudos
a relação entre consumo de bebidas alcoólicas e
mortalidade assume uma forma de curva em J. Ou
seja, abstêmios e consumidores de altas doses de
bebidas têm mortalidade maior que os que bebem
moderadamente. Dentre tais estudos, o que envolveu
médicos britânicos é dos mais interessantes, visto que
médicos deveriam ser observadores mais confiáveis:
aí também se observou a mesma curva. Supôs-se que
a maior mortalidade dos que bebem muito se deva
a cânceres digestivos, cirrose, suicídios, homicídios
e acidentes automobilísticos. Quando se analisaram
diversos países, com hábitos alimentares e de ingestão
de bebidas muito diferentes, a mesma relação inversa
se observou: onde se consumia mais bebida alcoólica,
menor era a mortalidade dor doença aterosclerótica.
Uma questão que sempre emergiu: o tipo de bebida faz
diferença? Vinho ou qualquer tipo de bebida alcoólica?
Uma análise de vários estudos só considerando vinho
mostrou efeitos positivos de modo consistente. E depois
veio a descrição do “paradoxo francês”. Na França,
onde tradicionalmente se come bastante gordura
animal, a mortalidade por doença coronariana era tão
baixa como nos países mediterrâneos! Baseados em
métodos estatísticos, os pesquisadores atribuíram esse
fenômeno ao consumo de vinho tinto, que é um hábito
antiquíssimo na França.
Isso desencadeou um grande interesse, e vários estudos
foram então iniciados. Porém, um ponto deve ser
lembrado. Os estudos citados são todos de observação,
e portanto, não são cientificamente adequados para
demonstrar inequivocamente a ação protetora do vinho
tinto. Mais pesquisas são necessárias.
Representação de Dioníso, deus do vinho
I...,II,III,IV,V,VI,VII,VIII,IX,X XII,XIII,XIV,XV,XVI,XVII,XVIII,XIX,
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