Nem tudo que reluz é ouro
Para desposar Pórcia, a bela e abastada donzela de Bel-
monte, o pretendente teria de vencer o insólito desafio de
escolher o cofre que guardava o seu retrato. O de ouro
anunciava: “Quemme escolher, ganha o que muitos que-
rem”; o de prata revelava: “Quem me escolher, ganha o
que bem merece”; o de chumbo advertia: “Quem me es-
colher, arrisca e dá o que tem”. O Príncipe de Marrocos
ao eleger o de ouro encontrou em seu interior uma cavei-
ra e um bilhete com os dizeres “Nem tudo o que reluz é
ouro, proclamam sabios em coro. Muita gente acaba em
choro, por so procurar tesouro”. A mensagem da peça
O
mercador de Veneza
, de W. Shakespeare, nos remete
ao eterno enigma da ciência, de encontrar a chave certa
para desvendar o universo.
O prêmio IgNobel, uma sátira ao Nobel, agracia traba-
lhos que “fazem rir, depois fazem pensar”, desde 1991.
Como prova de que nem toda a ciência que reluz
ouro, seleciono alguns laureados em ciências relacio-
nadas à saúde.
Medicina 1992:
Kanda F et al. “Elucidação dos compo-
nentes químicos responsáveis pelo odor do p ”, especial-
mente pela conclusão de que as pessoas que pensam
que têm chul têm, e as que pensam que não têm não
têm;
Literatura 1993
: os renomados cardiologistas Topol
E., Califf R., van der Werf F. e seus 973 coautores, por
publicarem o estudo GUSTO (
N Engl J Med
) que, apesar
dos relevantes achados, tem 100 vezes mais autores do
que páginas;
Biologia 1994
: Sweeney W.B. et al., pelo
seu estudo “O soldado com prisão-de-ventre: prevalência
sobre as tropas mobilizadas”;
Medicina 1994
: atribuído
à valente vítima da picada de sua cobra de estimação
e, a seu pedido, submetido a terapia de choques el tri-
cos – junto aos m dicos Dart R.C. e Gustafson R.A., pela
publicação “Falha de tratamento por choques el tricos
para envenenamentos por cascavel”;
Biologia 1997
:
Yagyu T. et al., por medirem as ondas cerebrais de pes-
soas enquanto mascavam diferentes tipos de chicletes;
Medicina 1997
: Charnetski C.J. et al., por demonstrarem
que ouvir música de elevador estimula a produção de an-
ticorpos;
Medicina 2001
: Barss P., por seu impactante
estudo “Lesões causadas por cocos em queda”;
Saúde
Pública 2001
: Andrade C., por comprovar que a “rinotile-
xomania” (retirar muco do nariz com os dedos) comum
entre adolescentes;
Medicina 2003
: Maguire E. et al., por
provarem que o c rebro dos taxistas londrinos mais de-
senvolvido que o de cidadãos normais;
Medicina 2004
:
Stack S., pela pesquisa “O efeito da música country no
suicídio”;
Saúde Pública 2004
: Clarke J., por investigar a
“regra dos 5 segundos”, sobre a segurança de se comer
um pedaço de comida caída ao chão;
Medicina 2006
:
Fesmire F.M. et al., pelo estudo “Interrupção de soluços
incuráveis com massagem retal digital”, e Odeh M. et al.,
pela subsequente comprovação da eficácia;
Medicina
2007
: Meyer D. e Witcombe B., por investigarem os efei-
tos colaterais de engolir espadas;
Medicina 2008
: Ariely
D. et al. (
JAMA
), por demonstrar que placebos caros são
mais eficientes do que placebos baratos;
Medicina 2010
:
Rietveld S., pela descoberta de que a asma melhora com
a ida a uma montanha-russa.
Paz 2010
: Stephens R.
et al., por confirmarem que os palavrões aliviam a dor;
Medicina 2013:
Uchiyama M. et al., pela avaliação do
efeito de ouvir ópera, em ratos submetidos a transplante
cardíaco;
Psicologia 2013
: Bègue L. et al., por compro-
varem que bêbados se acham atraentes;
Neurociência
2014
: Liu J. et al., por pesquisarem pessoas que veem a
face de Jesus em uma torrada;
Matemática 2015
: Elisa-
beth E. e Grammer K., pelas t cnicas matemáticas para
determinar como Mulai Ismail, “Imperador de Marrocos”,
conseguiu ser pai de 888 filhos.
Pórcia deve ter se sentido aliviada pelo então Príncipe de
Marrocos ter escolhido o cofre errado.
Nota do editor:
na edição 168, o revisor do Jornal SBC alterou uma palavra do editorial do presidente. Marcus Malachias
relatava a história de Robert Liston e as gangrenas frequentes ocorridas na era pré-listeriana (antes que Lister revelasse o
poder da antissepsia). O revisor alterou erroneamente para “pré-listonriana”.
Palavra do Presidente
MARCUS VINÍCIUS BOLÍVAR MALACHIAS
Foto: Pedro Vilela
