Jornal SBC 176 | Março 2017 - page 24

Histórias da Cardiologia
por Reinaldo Hadlich
Reinaldo Hadlich é Prof. do Instituto de Pós-graduação
Médica do Rio de Janeiro. Presidente do Centro de
Estudos do Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio
de Castro. Vice-presidente do Departamento de Clínica
Cardiológica da Socerj
Nos dias de hoje, para tratar um paciente com insuficiên-
cia cardíaca (IC) temos diretrizes, grandes ensaios clí-
nicos e Medicina Baseada em Evidências. Nos idos dos
anos 1960, comparados aos de hoje, os conhecimentos
eram incipientes, a fisiopatologia era pouco desenvolvida
e tínhamos poucos medicamentos de comprovada eficá-
cia. Vale lembrar que os inibidores da ECA passaram a
estar disponíveis no final dos anos 1970.
Durante meu Internato e Residência no Hospital das Clíni-
cas, no final dos anos 1960, lembro-me que a IC era difícil
de ser tratada, pois tínhamos como medicamentos os di-
gitálicos e os diuréticos. Tínhamos a digitoxina e um novo
digitálico chegava, a digoxina (Lanoxin), que era mais cara
e não estava disponível em todos os serviços. A digoxina
tinha um tempo de ação mais curto (hoje considerado van-
tagem), o que levava a uma digitalização menos eficaz,
pois um terço da dose era eliminada cada dia.
A digitoxina tinha três apresentações nas doses de 0,1
mg, 0,2 mg e em gotas (digitalina nativelle). O tempo de
ação era mais prolongado, o paciente metabolizava cerca
de 10% da dose por dia, o que permitia níveis de digital
mais estáveis, efeito inotrópico mais constante e melhor
resposta do que com a digoxina. O tempo para se obter o
efeito terapêutico era mais prolongado, e para encurtá-lo
digitalizava-se o paciente. Prescreviam-se três comprimi-
dos por dia nos três primeiros dias para se obter o efeito
terapêutico mais rápido, e depois iniciava-se a dose de
manutenção de 0,1 mg/dia. A frequência cardíaca era um
dos elementos clínicos empregados para saber se o pa-
ciente estava digitalizado. Esperava-se uma redução da
frequência cardíaca, e se não atingíssemos a frequência
desejada, aumentava-se a dose para 0,2 mg/dia. Por ser
um dos poucos medicamentos disponíveis para tratar a
IC, os especialistas na área preferiam a digitoxina, pois
conseguia-se um efeito terapêutico maior.
A intoxicação digitálica era mais frequente do que nos dias
de hoje, mas não assustava os cardiologistas. A digoxina,
com menor tempo de ação e sendo eliminada mais rapi-
damente e também por poder ser prescrita sem dose de
ataque, foi progressivamente substituindo a boa e velha
digitoxina, hoje só presente na memória de alguns.
História do
tratamento da
Insuficiência
Cardíaca
(parte I)
por Antonio Carlos Pereira Barreto,
referência nacional no assunto
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