Jornal SBC 183 | Outubro 2017

AMedicina na Era da Pós-Verdade Dizia Winston Churchill que “uma mentira dá uma volta inteira ao mundo antes mesmo de a verdade ter a oportunidade de se vestir”, lembrando que na- quela época ainda não existiam a internet e as redes sociais. Vivemos um tempo em que fatos e fantasias mais que nunca se confundem e influenciam em to- das as áreas do conhecimento, inclusive na medici- na e, até mesmo, em nossas vidas. O departamento de dicionários da Universidade de Ox- ford elegeu o vocábulo “pós-verdade” como a palavra do ano de 2016. O substantivo foi inicialmente usado em 1992 pelo dramaturgo sérvio-americano Steve Te- sich, para denotar “circunstâncias nas quais fatos obje- tivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”. Ou seja, o termo remete ao pensamento de Nietzshe de que “não há fatos, apenas versões”. Plataformas como Facebook , Twitter e WhatsApp fa- cilitam a difusão de factoides, sem questionamentos e nem comprovações de veracidade. Boatos são a todo momento compartilhados por personalidades ou pes- soas de relacionamento, o que aumenta a aparência de legitimidade das histórias. Além disso, blogs, tab- loides e influenciadores digitais pouco confiáveis pas- saram a ter mais visibilidade que muitos veículos de mídia tradicionais. Como consequência, acredita-se que o fenômeno da verdade relativa venha influencian- do até grandes questões mundiais recentes, como o Brexit e a eleição de Trump. Na medicina, área em que, nas últimas décadas o pen- samento foi moldado para a tomada de decisão basea- da em evidências, a explosão da pós-verdade se impõe como o “avesso do avesso”, ou seja, um descompasso entre a ciência e a modernidade. Como se não bastas- se, novas pesquisas têm, a cada dia, quebrado paradig- mas da medicina, que, aos olhos críticos, fazem crescer o sentimento de que não existe verdade científica que não possa ser contestada ou provada em contrário. A academia, as instituições, as personalidades e as entidades científicas de todo o mundo são, diuturna- mente, cobradas a antagonizar e desmentir pós-ver- dades, notícias fake e interpretações errôneas sobre ciência e medicina, muitas vezes dispersadas por no- vos profetas e gurus emergentes da saúde alternativa. É improvável, entretanto, conseguir frear o tsunami de notícias de toda natureza difundido incessantemente nas diversas mídias. A pós-verdade é fruto da moder- na comunicação, da liberdade que cada cidadão tem de pensar, opinar, postar e compartilhar opiniões, por mais bizarras que possam ser. O escritor Stephen King, lembra que “a confiança do ingênuo é a arma mais útil do mentiroso”. No entanto, é o personagem médico da ficção, Dr. House, quem ironicamente melhor conclui sobre o tema: “há uma razão para a mentira: funciona”. Palavra do Presidente MARCUS VINÍCIUS BOLÍVAR MALACHIAS Foto: Pedro Vilela 3

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