Jornal SBC 147 · Outubro · 2014
            
          
        
        
          
            
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          Leiobula, logodesisto
        
        
          O cenário é claro: a mesma
        
        
          pessoa que adquire um carro
        
        
          sem se impor o conhecimento
        
        
          de
        
        
          probabilidades
        
        
          de
        
        
          acidentes,
        
        
          compra
        
        
          um
        
        
          medicamento e condiciona o
        
        
          uso às possíveis adversidades.
        
        
          É o efeito bula, com o
        
        
          estereótipo do paciente que
        
        
          “ingere” o papel e descarta
        
        
          o comprimido. Ele representa um desafio à
        
        
          comunicação sobre o bem e o mal de fármacos,
        
        
          atualmente complicado pela participação do
        
        
          “sabe-tudo” Prof. Dr. Google. É fruto de leitura
        
        
          com a lente de aumento da autopreservação que
        
        
          tende a dimensionar adversidades num plano
        
        
          superior de desconforto imaginativo. Deve ser
        
        
          preocupação do bom terapêuta.
        
        
          Uma utilidade da Bioética é enfatizar ao
        
        
          médico bom prescritor que a ocorrência e
        
        
          a intensidade de adversidades devem ser
        
        
          creditadas a individualidades do paciente nem
        
        
          sempre previstas e às imperfeições da medicina
        
        
          escalonadas por estatísticas.
        
        
          É apoio para que o médico sinta-se à vontade
        
        
          tanto para decidir soar-se como profeta
        
        
          da adversidade zero – o extremo otimista,
        
        
          embora reducionista, que pega carona no
        
        
          efeito placebo –, quanto para obrigar-se
        
        
          a ser porta-voz de “calamidades”, como
        
        
          aplasia medular, AVC e impotência sexual –
        
        
          o extremo de sinceridade que pode reforçar
        
        
          o efeito nocebo, ou, mesmo, a rejeição à
        
        
          recomendação beneficente.
        
        
          “Cuidar com cuidado”, vale dizer, a
        
        
          combinação acolhedora da prudência acerca
        
        
          do potencial iatrogênico para o doente e do
        
        
          zelo ao “imperativo” de diretrizes para a doença
        
        
          inclui, pois, o esclarecimento médico “ao jeito
        
        
          de cada um” que costuma ir se moldando de
        
        
          acordo com as quânticas diversidades que a
        
        
          sucessão de casos faz vivenciar.
        
        
          Um
        
        
          
            quantum satis
          
        
        
          de disponibilidade de
        
        
          tempo é essencial para que a hipocrática
        
        
          boca do médico – que aconselha sobre as
        
        
          necessidades do paciente e respeita seus
        
        
          valores e preferências – se desdobre no
        
        
          papel de uma bula falada para a mais justa
        
        
          leitura do papel que se desdobra da caixinha,
        
        
          contribuindo para o cumprimento da “lição de
        
        
          casa” prescrita.
        
        
          Dose do fármaco e dosagemde esclarecimentos
        
        
          sobre este são exigências da ética em face das
        
        
          incertezas terapêuticas e das probabilidades
        
        
          de adversidades tão imunes quanto renovadas
        
        
          pelo progresso técnico-científico que não
        
        
          garante segurança absoluta.
        
        
          
            Bioética de Consultório
          
        
        
          
            Max Grinberg
          
        
        
        
          
            Imagem meramente ilustrativa