Lições de jazz para médicos
“O jazz não é um o quê, o jazz é um como”
Louis Armstrong
Jazz é mais que um estilo musical, é a essência da liberdade
representada pela improvisação. O primeiro disco de
jazz, Livery Stable Blues, da Original Dixieland Jazz Band,
foi lançado em 1917 e, por isso, neste 2017, comemoram-
-se os 100 anos dessa forma de fazer música que tem muito
a ensinar a outras áreas do conhecimento, como a medicina.
Foi o jazz que melhor sintetizou a arte do improviso,
como resumiu o trompetista Miles Davis: “não se preocupe
em tocar um monte de notas, encontre apenas as notas
belas”. Na medicina, é fundamental conhecermos a teoria,
incorporarmos as diretrizes e seguirmos fluxogramas de
diagnósticos e tratamentos. Mas o verdadeiro dom da ciência
médica está na arte da improvisação, na aplicação do
conhecimento à imprevisibilidade da apresentação clínica,
na capacidade de decidir a melhor conduta em cada caso,
como a escolha das boas notas no jazz.
Surgido a partir do blues, ragtime e spirituals, em New Orleans,
no início do século XX, o jazz é hoje universal, fruto
da incorporação de diversos estilos, culturas e influências
musicais. A formação de grupos, muitas vezes heterogê-
neos, é outra lição que o jazz ensina à medicina. Assim
como o próprio Miles Davis que, em Kind of Blue, reuniu
bambas como Bill Evans, John Coltrane, Julian ‘Cannonball’
Adderley, Paul Chambers e Jimmy Cobb, bandas de jazz
são exemplos de personalidades diferentes que formam
equipes coesas, como no tão atual conceito de Heart Team,
onde o coletivo possibilita o alcance do melhor resultado,
sem ocultar os talentos individuais.
Músicos de jazz, muitas vezes se comunicam simplesmente
pelo olhar. São sinais que determinam movimentos complexos
como mudanças de andamento ou da dinâmica da música,
passagens a outra parte do tema ou mesmo a deixa para
o improviso. Pois é a percepção do olhar, um dos maiores
segredos dos médicos brilhantes. Compreender o que está
além das palavras, oculto nos gestos ou na expressão facial
é considerado o estado da arte em nossa profissão.
Ritmo, harmonia e melodia, elementos fundamentais da
música, são também regras da natureza encontradas no
corpo humano. E, desta vez, é a arte que imita a vida. O
coração marca o compasso, mas precisa estar em harmonia
com os outros instrumentos da orquestra – pulmão, rins,
cérebro, artérias e veias –, para manter a cadência e, como
um maestro, conduzir a melodia da vida.
São muitas as interfaces entre o jazz e a medicina. Mas
a principal lição que o jazz nos ensina é que o bom improviso
resulta de diferentes qualidades a serem desenvolvidas:
criatividade, talento, integração, experiência e
conhecimento.