Palavra do Presidente

  • A clínica ainda é soberana nos dias atuais?

    “A clínica é soberana” é um dos maiores aforismos da medicina. No entanto, na época atual, em que a medicina deve se basear em evidências, torna-se necessária uma reflexão sobre o tema.

    A discussão inicia-se em nosso próprio Código de Ética Médica, que, em seus Princípios Fundamentais, determina que: “V - Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente”. No Capítulo V, Art. 32, o mesmo documento dita que “é vedado ao médico deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente.”

    O grande emprego de provas complementares tem, entretanto, atingido custos insustentáveis para qualquer sistema de saúde. Observamos uma irreversível tendência de redução da duração da consulta médica e o proporcional aumento da solicitação de exames. Além disso, quanto maior é a lista de testes, maior é a satisfação dos pacientes, ávidos por provas diagnósticas. Nos serviços de emergência, no mesmo diapasão, tornou-se regra a exclusão de diagnósticos graves por meio da propedêutica armada, mesmo com baixa probabilidade pré-teste, até como forma de atenuar a responsabilidade por eventuais falhas diagnósticas.

    Como negar, porém, a impressionante contribuição da tecnologia na medicina? A possibilidade de se obterem evidências concretas, por meio das inúmeras provas laboratoriais disponíveis, revolucionou a medicina diagnóstica. Uma outra transformação se deu pelo avanço da imaginologia, ao possibilitar descortinar o corpo humano tanto sob o aspecto anatômico quanto funcional. O que dizer dos recursos da pesquisa genética, assim como do emprego da robótica e da inteligência artificial, com acesso a milhões de dados científicos, no auxílio ao diagnóstico e tomada de decisões?

    Há hoje cerca de 30 mil periódicos de ciência e medicina, e este número aumenta 3,5% ao ano. Mais de 1,5 milhão de artigos sobre saúde são publicados anualmente. Estima-se que a cada 70 dias seja duplicado o volume de informações científicas sobre saúde. É crescente o uso de computadores e robôs capazes de utilizar a inteligência artificial para auxílio à medicina. O estudo “What doctor? Why AI and robotics will define new health” entrevistou cerca de 11 mil pessoas de 12 países. Mais da metade dos participantes (55%) declarou estar disposta a ser atendida por robôs com inteligência artificial, capazes de responder dúvidas sobre saúde, realizar testes, diagnosticar doenças e recomendar tratamentos.

    É sempre bom lembrar que o termo “robô” vem do tcheco “robota”, que significa “escravo”. Nenhuma máquina, por mais perfeita que possa ser, pode superar a sensibilidade, o humanismo e o discernimento do olhar clínico. Aliás, segundo Bill Gates, “a primeira regra de qualquer tecnologia é que a automação aplicada a uma operação eficiente aumentará a eficiência; a segunda é que a automação aplicada em uma operação ineficiente aumentará a ineficiência”. A clínica nunca perderá sua majestade mas, mais que nunca, deve ser subsidiada, com sabedoria, por recursos complementares. A tecnologia, por sua vez, mesmo tendo revolucionado o universo, está sempre à mercê das relações humanas.