Receita Médica para um País Enfermo
O quadro clínico é grave. O diagnóstico é de falência de múltiplos órgãos. O País respira por aparelhos, o nível de consciência está rebaixado, mas o coração ainda pulsa e mantém os dados vitais. O caso requer cuidados de terapia intensiva e medicina deve ser consultada quanto ao melhor tratamento.
Vivemos um tempo de desalento, de incertezas, de desencantamento. Avolumam-se provas do despudor dos governantes, traindo a confiança e ferindo a esperança da nação. Em meio a políticos náufragos e partidos submersos, o país, como uma nau sem rumo, se divide entre doutrinas coléricas e desmedidas paixões, e se degrada em violência, radicalismo e intolerância, só vencidos pela apatia de tantos, descrentes do futuro.
Somos médicos. Nossa caminho é da luta, da mais difícil delas, contra a morte. Nosso mister é enfrentar, sem armas mas com determinação e conhecimento, grandes e desconhecidos desafios que se impõem a cada instante. Não nos importa o prognóstico e as condições da batalha. Temos sempre de encontrar forças para preservar a vida.
Somos cardiologistas. Somos movidos pelo coração, órgão que é o motor da vida e origem de tantas palavras inspiradoras; como ‘acordar’ – e nunca foi tão importante abrir os olhos para a realidade; e ‘coragem’ - o imprescindível viço que nos impulsiona a promover mudanças.
Sim, nós médicos temos o que receitar ao País enfermo. Mesmo cientes de que na medicina, como em qualquer profissão, há também os que sigam por descaminhos, os médicos devotados sabem que em situações de emergência deve-se agir contra o tempo e em favor da vida, com determinação e sem distinção de ideologias, religiões, raças, classe social, poder econômico, gênero ou quaisquer outras condições.
É chegada a hora de desfibrilarmos as fúrias sectárias, de infundirmos civilidade e cidadania, de imunizarmos as cores dos estandartes, de erradicarmos a violência, de aplacarmos o fanatismo, de estancarmos o ódio, de ressuscitarmos a esperança e de despertarmos a paz.
Como dizia Mahatma Gandhi, não se pode admitir “riqueza sem trabalho, prazeres sem escrúpulos, conhecimento sem sabedoria, comércio sem moral, política sem idealismo, religião sem sacrifício e ciência sem humanismo”.
É chegada a hora de compreendermos que mesmo com a melhor receita, a cura depende do desejo de ser curado, assim como da adesão ao tratamento.