Artigo Original
Figueiredo et al.
Depressão maior e síndrome coronariana aguda
Arq Bras Cardiol. 2017; 108(3):217-227
Introdução
Estudos anteriores buscaram entender os fatores que
influenciam o prognóstico de um evento coronariano agudo,
sendo a triagem de sintomas de depressão recomendada como
rotina para pacientes com síndrome coronariana aguda (SCA).
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Ainda que vários estudos
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tenham documentado a associação
entre depressão e pior prognóstico em pacientes com SCA,
só recentemente a
American Heart Association
recomendou
a inclusão de depressão como fator de risco para desfecho
adverso de SCA, embora enfatizando a heterogeneidade dos
estudos empregados na revisão sistemática que serviu de base
para a recomendação.
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A preval ncia de depressão em pacientes com SCA nos
EUA foi estimada em 20%, afetando 15,4 milhões de adultos
com doença arterial coronariana.
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Em São Paulo, Brasil, um
estudo usando o Inventário de Depressão de Beck (BDI)
relatou sintomas de depressão em 43,5% dos pacientes
hospitalizados com SCA.
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Outro estudo
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encontrou uma
preval ncia similar, 46,7%, tendo concluído que mulheres,
homens com menos de 50 anos e indivíduos com ansiedade
t m maior probabilidade de apresentar sinais de depressão
quando triados para depressão [
Primary Care Evaluation of
Mental Disorders
(Prime MD) e BDI], traço de ansiedade e
estado de ansiedade (escala IDATE), e consumo de álcool
(AUDIT). Tais taxas retratam a maior sensibilidade das
ferramentas de triagem.
O Registro Dinamarqu s Nacional de Pacientes, que
juntou uma coorte de cerca de 83.000 pacientes com SCA,
apontou mortalidade excessiva entre aqueles com marcante
desigualdade quanto a educação, mesmo após ajuste para
comorbidades e depressão prévias,
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levantando a hipótese
de que depressão possa fazer parte de um contexto social
adverso, mais comum entre mulheres. Entretanto, persistem
questões quanto à preval ncia de depressão em SCA, e sua
influ ncia no prognóstico e fatores associados, em especial
na população brasileira.
Este estudo teve por objetivo avaliar a preval ncia
do transtorno depressivo maior (TDM) em pacientes
diagnosticados com SCA em tr s hospitais públicos na cidade
do Rio de Janeiro, assim como analisar possíveis fatores
associados com TDM nesse cenário.
Métodos
Trata-se de estudo epidemiológico, observacional,
descritivo e transversal, envolvendo pacientes hospitalizados
com SCA, cujo diagnóstico foi estabelecido através de critérios
clínicos, enzimáticos e eletrocardiográficos. O protocolo de
pesquisa foi submetido ao Comit de Ética em Pesquisa e por
ele aprovado, tendo os participantes assinado um termo de
consentimento livre e informado (HSE, nº 160/04).
Utilizou-se a Unidade Coronariana (UC) de tr s hospitais
públicos usados tanto para ensino quanto assist ncia médica
na cidade do Rio de Janeiro: um hospital geral federal, um
hospital geral municipal e um hospital estadual especializado
em cardiologia. O estudo foi conduzido por 24 meses
consecutivos. As tr s UCs somaram um total de 21 leitos.
Este estudo incluiu homens e mulheres com mais
de 20 anos, admitidos nas unidades de cardiologia dos
tr s hospitais participantes. Foram excluídos pacientes
incapazes de responder à entrevista devido às suas
condições clínicas até o sétimo dia de hospitalização na UC,
assim como aqueles incapazes de responder à entrevista
devido a alterações cognitivas ou defici ncias auditivas que
impedissem uma entrevista oral.
A entrevista e a aplicação das ferramentas de pesquisa
foram realizadas até o sétimo dia de perman ncia na UC.
Todas as ferramentas usadas foram lidas pelos pacientes e
aplicadas subsequentemente em uma única entrevista por
um dos autores. Os pacientes responderam à Entrevista
Clínica Estruturada do Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais
DSM-IV Axis I Disorders
– Edição do
Paciente (SCID‑I/P, versão 2.0) (ANEXO 1).
10-12
Para este
estudo, aplicamos a seção de Episódio Depressivo Maior
(EDM),
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além de um questionário padrão com dados
sociodemográficos, clínicos e de estilo de vida.
As variáveis sociodemográficas contempladas foram sexo,
idade, estado civil (casado ou união estável de acordo com
a lei brasileira ou “coabitação” em uma relação estável;
não casado, quando não há “coabitação” em uma relação
conjugal), escolaridade (anos de escolaridade completos ou
incompletos dicotomizados em ‘menos de 4 anos’ ou ‘mais de
4 anos’), renda familiar (renda mensal de todos os membros
da família que compartilham o custo de vida total em tr s
categorias: grupo A, até US 615 por m s de salário; grupo B,
entre US 615 e US 1230 por m s de salário; e grupo C, mais de
US 1230 por m s de salário). O apoio social (duas dimensões
avaliadas: família e amigos íntimos) foi consolidado em duas
categorias: pacientes que viviam sós e/ou não tinham amigos,
foram considerados como ‘sem apoio social’; e aqueles que
não viviam sós e tinham amigos, foram considerados como
‘com apoio social’.
As variáveis relacionadas ao estilo de vida foram:
tabagismo (‘fumante’ sendo alguém que informou fumar
cigarros até um ano antes do atual evento coronariano; e ‘não
fumante’, alguém que informou ter abandonado o hábito de
fumar mais de um ano antes do último evento coronariano
ou nunca ter fumado); e sedentarismo (‘sedentário’, alguém
que informou não praticar qualquer atividade física regular
– caminhada, corrida, ciclismo, esportes – por pelo menos
30 minutos, tr s vezes por semana).
As variáveis clínicas foram dislipidemia, hipertensão e
diabetes mellitus (autorreferidas, com níveis séricos elevados ou
normais associados com fármacos específicos para o tratamento
e confirmados nos prontuários médicos; e com elevação da
pressão arterial sistólica e diastólica no caso de hipertensão);
infarto agudo do miocárdio (IAM – informação obtida nos
prontuários médicos) prévio; classe Killip, dicotomizada em
Killip 1 e Killip ≥ 2; e depressão maior atual, verificada através
da Entrevista Clínica Estruturada (SCID-I/DSM-IV) estimar a
preval ncia ponto e ao longo da vida.
A seleção das variáveis baseou-se na associação com
síndrome coronariana, tendo sido observada em estudos
prévios em população não brasileira.
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