Palavra do Presidente

  • A Medicina na Era da Pós-Verdade

    Dizia Winston Churchill que “uma mentira dá uma volta inteira ao mundo antes mesmo de a verdade ter a oportunidade de se vestir”, lembrando que, naquela época, ainda não existiam a internet e as redes sociais. Vivemos um tempo em que fatos e fantasias mais que nunca se confundem e influenciam em todas as áreas do conhecimento, inclusive na medicina e até mesmo em nossas vidas.

    O departamento de dicionários da Universidade de Oxford elegeu o vocábulo "pós-verdade" como a palavra do ano de 2016. O substantivo foi inicialmente usado em 1992 pelo dramaturgo sérvio-americano Steve Tesich, para denotar “circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”. Ou seja, o termo remete ao pensamento de Nietzshe de que "não há fatos, apenas versões".

    Plataformas como Facebook, Twitter e WhatsApp facilitam a difusão de factoides, sem questionamentos e nem comprovações de veracidade. Boatos são a todo momento compartilhados por personalidades ou pessoas de relacionamento, o que aumenta a aparência de legitimidade das histórias. Além disso, blogs, tabloides e influenciadores digitais pouco confiáveis passaram a ter mais visibilidade que muitos veículos de mídia tradicionais. Como consequência, acredita-se que o fenômeno da verdade relativa venha influenciando até grandes questões mundiais recentes, como o Brexit e a eleição de Trump.

    Na medicina, área em que, nas últimas décadas, o pensamento foi moldado para a tomada de decisão baseada em evidências, a explosão da pós-verdade se impõe como o “avesso do avesso”, ou seja, um descompasso entre a ciência e a modernidade. Como se não bastasse, novas pesquisas têm, a cada dia, quebrado paradigmas da medicina, que, aos olhos críticos, fazem crescer o sentimento de que não existe verdade científica que não possa ser contestada ou provada em contrário.

    A academia, as instituições, as personalidades e as entidades científicas de todo o mundo são, diuturnamente, cobradas a antagonizar e desmentir pós-verdades, notícias fake e interpretações errôneas sobre ciência e medicina, muitas vezes dispersadas por novos profetas e gurus emergentes da saúde alternativa. É improvável, entretanto, conseguir frear o tsunami de notícias de toda natureza difundido incessantemente nas diversas mídias. A pós-verdade é fruto da moderna comunicação, da liberdade que cada cidadão tem de pensar, opinar, postar e compartilhar opiniões, por mais bizarras que possam ser. O escritor Stephen King lembra que “a confiança do ingênuo é a arma mais útil do mentiroso”. No entanto, é o personagem médico da ficção, Dr. House, quem ironicamente melhor conclui sobre o tema: “há uma razão para a mentira: funciona”.