Segredo é para quatro paredes
A bela Lady Flora Hastings tinha 32 anos, solteira e possuía
olhos grandes e cabelos cacheados. Era uma das
damas de companhia da rainha Vitória, que, vendo-a se
queixar de abdômen dilatado e enjoos, ordenou que o mé-
dico real, Sir James Clark, a avaliasse. O tratamento foi
instituído com linimento de cânfora e pílulas de ruibarbo.
Pairavam rumores na corte de que Flora pudesse estar
grávida do garboso Sir John Conroy, superintendente
dos negócios da duquesa de Kent, mãe da rainha, com
quem a dama fora vista em algumas ocasiões. Com o
insucesso do tratamento e o crescente boato, Clark, ferindo
a ética, tornou público o diagnóstico de gravidez.
O escândalo tomou grandes proporções. Os jornais exploraram
a notícia como exemplo da luxúria palaciana,
agitando a corte e irritando o Parlamento. O primeiro-
-ministro, Lorde Melbourne, convocou Clark, para certificar-se
do caso. O médico admitiu ter feito o diagnóstico,
sem plena certeza, pois, em 1841, o exame
íntimo de uma donzela teria ainda de esperar o século
seguinte para se tornar habitual na medicina. Flora, indignada,
exigiu uma segunda opinião. Um especialista
em doenças femininas atestou que ela era virgem. A
história já se espalhara pela Europa. A rainha Vitória
chegou a ser vaiada em Ascot.
Em menos de um mês, Lady Flora faleceu dentro do
palácio de Buckingham. A necrópsia revelou carcinomatose peritoneal, infiltração hepática e ascite. Cerca
de cinco mil pessoas foram ao sepultamento. Clark foi
execrado, tanto pela população quanto pela comunidade
médica, tendo em vista sua dupla incorreção -
a quebra de sigilo e o grosseiro erro diagnóstico da
distensão abdominal, agravado pelo constrangimento
causado à paciente.
Esse relato de Richard Gordon, em A assustadora
história de pacientes famosos e difíceis, demonstra
que a preocupação com o sigilo médico não é uma
novidade. O próprio Hipócrates, 460 a.C., já alertava
para a questão: “penetrando no interior das famílias,
meus olhos serão cegos e minha língua calará os segredos
que me forem confiados”. Com o crescente
empoderamento da mídia e o surgimento das redes
sociais, muitos médicos, na ingenuidade da facilidade
de divulgação, no afã de revelar conquistas ou mesmo
envaidecidos por seus famosos clientes, expõem-
-se desnecessariamente aos riscos de infrações éticas
e repercussões negativas.
O sigilo constitui um dos pilares da medicina, símbolo
da segurança dos pacientes. A capacidade de guardar
segredos é, contudo, um dom que necessita ser sempre
lembrado e continuamente aprimorado. “Não te
abras com teu amigo/ Que ele um outro amigo tem/ E o
amigo do teu amigo/ Possui amigos também”, ensina,
com sabedoria, a poesia de Mario Quintana.