ABC | Volume 108, Nº3, Março 2017 - page 96

Correlação Clínico-radiográfica
Caso 2/2017 –
Cor Triatriatum
, sem Manifestação Clínica, em
Menina de 6 Anos de Idade
Case 2/2017 – Cor Triatriatum, without Clinical Manifestation, in A 6-Year-Old Girl
Edmar Atik e Gláucia M. P. Tavares
Clínica Dr. Edmar Atik, São Paulo, SP – Brasil
Palavras-chave
Cor triatriatum; Anormalidades Cong nitas; Ecocardiografia;
Sinais e Sintomas.
Correspondência: Edmar Atik •
Consultório privado. Rua Dona Adma Jafet, 74, conj.73, Bela Vista.
CEP 01308-050, São Paulo, SP – Brasil
E-mail:
DOI:
10.5935/abc.20170030
Dados clínicos
: sopro cardíaco foi auscultado de rotina
com 2 anos de idade, caracterizado nesta ocasião como
funcional. Recente ecocardiograma demonstrou membrana
divisória no átrio esquerdo com ampla comunicação entre as
duas cavidades, proximal e distal. Desempenha normalmente
as atividades físicas habituais, semelhante às demais crianças.
Exame físico
: eupneica, acianótica, pulsos normais.
Peso: 19,6 kg; altura: 116 cm; pressão arterial: 95/60 mmHg;
frequ ncia cardíaca: 78 bpm, saturação de oxig nio: 97%.
Aorta não palpada na fúrcula.
No precórdio,
ictus cordis
não palpado e aus ncia de
impulsões sistólicas na Borda Esternal Esquerda (BEE).
Bulhas cardíacas normofonéticas; sopro sistólico, +/++/4,
rude, BEE média, variável em intensidade, dependente
da posição adotada, diminuindo nitidamente na sentada.
O fígado não era palpado.
Exames complementares
Eletrocardiograma
mostrou ritmo sinusal e sem sinais
de sobrecargas cavitárias. O complexo QRS apresentava
morfologia RS em V1, qRs em V6. AP: +50
o
, AQRS: +80
o
,
AT: + 40
o
.
Radiografia de tórax
mostrou área cardíaca normal (índice
cardiotorácico: 0,46). A trama vascular pulmonar era normal
e o arco médio, retificado.
Ecocardiograma
transtorácico (Figuras 1 e 2) mostrou
uma membrana no meio do átrio esquerdo, aumentado
de volume. A cavidade proximal recebia as quatro veias
pulmonares, e a cavidade distal, em comunicação com
a valva mitral, não apresentava qualquer comunicação
interatrial. Havia duas fenestrações na membrana, sendo
a maior de 10 mm e outra menor de 4 mm de diâmetro.
O gradiente máximo transmembrana era de 9 mmHg e médio
de 2,5 mmHg. A velocidade do fluxo pelas veias pulmonares
era normal e sem turbul ncia, caracterizando aus ncia de
obstrução intra-atrial. A pressão sistólica da artéria pulmonar
era de 30 mmHg. Nenhum outro defeito foi encontrado.
Diagnóstico Clínico:
cor triatriatum sinister
sem
defeitos associados (tipo A da classificação de Lam)
em criança assintomática, em face de discreta
limitação ao fluxo intra-atrial
Raciocínio clínico:
os elementos clínicos disponíveis eram
insuficientes para a caracterização da exist ncia de qualquer
cardiopatia cong nita. O sopro sistólico presente na BEE,
variável e discreto, tinha característica de funcional, sem
relação com qualquer anomalia. Os exames complementares
usuais tampouco expressavam anormalidades. Assim, o defeito
intra‑atrial esquerdo foi descoberto por achado ecocardiográfico
de rotina, motivado pela presença do sopro funcional.
Diagnóstico diferencial:
há outras anomalias cong nitas
cardíacas que podem igualmente ser diagnosticadas de
rotina, sem elementos sugestivos, como defeitos cardíacos
de discreta repercussão, exteriorizados por sopros discretos
e inexpressivos. Constituem exemplos desta situação a
comunicação interatrial e interventricular, as lesões obstrutivas
da valva pulmonar e aórtica, a coarctação da aorta, e em
obstruções na cavidade de ventrículo direito e mesmo do
ventrículo esquerdo.
Conduta:
o ideal seria extirpar a membrana intra-atrial
esquerda por intervenção cirúrgica. No entanto, considerando
que esta obstrução não provoca distúrbios hemodinâmicos
suficientes para exteriorizar qualquer sintoma ou sinal de
problema clínico evolutivo, optou-se pela observação clínica,
até que haja alguma manifestação.
Comentários:
cor triatriatum
é uma anomalia rara,
na qual os átrios são divididos por uma membrana,
caracterizando-se em
sinister
à esquerda (caso presente)
e
dexter
à direita.
1,2
A embriologia explica a anomalia
pela incorporação inadequada das veias pulmonares no
átrio esquerdo, provocando a divisão intra-atrial. Do lado
esquerdo, as veias pulmonares drenam na câmara proximal
(posterossuperior), e a valva mitral e o ap ndice atrial
esquerdo se apresentam na câmara distal (anteroinferior).
Cor triatriatum
é classificado, segundo Lam (1962), em tipo
A, sem associações (como no presente caso); A1, no qual
a comunicação interatrial (CIA) ocorre na câmara proximal
(50%); A2, cuja CIA ocorre na câmara distal (10%); B,
no qual as veias pulmonares drenam no seio coronário
(1%); e C, quando há drenagem an mala total das veias
pulmonares (5%). Na depend ncia do grau da obstrução
e das associações, esta anomalia obstrutiva pode ser
diagnosticada em qualquer idade.
1
Na situação mais grave,
há obstrução acentuada da drenagem venosa pulmonar,
hipertensão pulmonar e insufici ncia cardíaca. Em 50 anos,
foram operados 25 pacientes com
cor triatriatum
na Clínica
Mayo, cuja idade variou de 1 dia a 73 anos.
1
A primeira
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