ABC | Volume 108, Nº3, Março 2017 - page 92

Ponto de Vista
Araújo et al.
Exercício aeróbico e coração: discutindo doses
Arq Bras Cardiol. 2017; 108(3):271-275
et al.
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mostraram que, para uma dada duração semanal de
exercício, os benefícios erammaiores quando, em pelo menos
30% da duração, o exercício aeróbico era realizado em alta
intensidade. Na realidade, essas duas importantes informações
podem ser conjugadas em direção à definição de uma dose
ótima e também para caracterizar o que se poderia denominar
de exercitante extremo, isto é, aquele que excede 100 METs-h/
semana por longos períodos de tempo, sobre o qual a literatura
ainda é escassa. Sendo assim, pode-se propor, em princípio,
que a faixa terap utica da dose de exercício aeróbico situa-se
entre algo como 7,5 a 100 METs-h/semana.
A nosso ver, a questão da dose de exercício aeróbico
deve ser individualizada em função dos objetivos a serem
alcançados. A única forma conhecida de aumentar o VO
2
max,
independentemente do nível atual, é incrementando a dose
de exercício aeróbico. Então, se há um objetivo clínico de
aumentar o VO
2
max para reduzir a taxa futura de mortalidade,
ou para algumobjetivo desportivo do indivíduo, pode-se definir
a dose ótima como aquela capaz de proporcionar os ganhos
desejados dentro de um período de tempo pré-estabelecido.
Por outro lado, se o objetivo for apenas manter um já excelente
VO
2
max (> 120% do previsto para idade e sexo), a dose ótima
de exercício aeróbico poderá ser aquela capaz de assegurar a
manutenção dessa condição aeróbica privilegiada, atendendo
aos ajustes cíclicos preconizados pela ci ncia do treinamento
físico. O quadro 2 apresenta recomendações de dose aeróbica
e de periodicidade de reavaliações, considerando uma
classificação fundamentada em % VO
2
max previsto obtido na
avaliação e no padrão atual de exercício.
Exagerando no exercício?
Em 1899, Williams & Arnold
15
fizeram uma detalhada
avaliaçãomédica pré e na hora seguinte à chegada de concluintes
damaratona de Boston (tempo do vencedor =2h54min), tendo
concluído que a participação na maratona não parece ter
acarretado danos importantes ao sistema cardiovascular desses
jovens saudáveis. Após mais de 110 anos dessa rica descrição,
acumularam-se muitas evid ncias positivas da saúde cardíaca
de atletas e exercitantes como, por exemplo, a observação de
que atletas que participam de provas desportivas mais longas
16
e adultos fisicamente ativos tendem a ser mais longevos,
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assim como, a informação de que óbitos são muito raros em
meias-maratonas e maratonas, com taxa inferior a 1/100 mil
participantes.
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Nesse contexto, é interessante comentar o caso
de Alexandre Ribeiro, que venceu seis vezes o
Ultraman
e
acumulava, aos 47 anos de idade, 50 mil horas de treinamento
aeróbico, em uma dose típica de 250 METs-h/semana. Após
extensa avaliação cardiológica, funcional e com imagens, o único
achado a comentar foi umdiscreto aumento do volume do átrio
esquerdo pela ressonância magnética.
19
Por outro lado, alguns dados de estudos observacionais
sugerem que parece haver um aumento da probabilidade
de desenvolver fibrilação atrial,
20
de aumentar a calcificação
de artérias coronárias e de apresentar realce tardio ou outras
anormalidades em exames de imagem cardíaca.
21
Contudo,
ao melhor do conhecimento atual, o significado clínico desses
achados “anormais” de imagens ainda é desconhecido.
21
Nesse
contexto, futuros estudos envolvendo grandes amostras de ultra
corredores e/ou exercitantes por mais de 40 anos poderão
contribuir para uma melhor compreensão da real relação
causa-efeito entre dose aeróbica de exercício e benefícios ou
malefícios e/ou desfechos cardíacos desfavoráveis. O fato é que,
no estado atual da arte, sabe-se com certeza que doses bem
baixas de exercício aeróbico já resultambenefícios, enquanto se
desconhece o limite superior da dose terap utica de exercício
aeróbico. Isto é, do ponto de vista médico, não há evid ncias
que fundamentem uma hipótese de exagero no exercício.
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Contextualizando em termos de saúde pública
Dados mundiais recentes sinalizam que cerca de cinco
milhões de mortes anuais (quase 10% do total de óbitos não
violentos) são devidas ao sedentarismo. Em adendo, estima-
se que os prejuízos anuais em todo o mundo com relação
aos níveis baixos de atividade física/exercício superam os 67
bilhões de dólares.
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No Brasil, dados governamentais sugerem
que dezenas de milhões de brasileiros – quase a metade da
população adulta - não se exercitam o suficiente. No outro
extremo, empiricamente, pode-se estimar que, incluindo atletas
e exercitantes, bemmenos de dez mil indivíduos fazem treinos
aeróbicos intensos, regulares e por períodos prolongados por
mais de 10 horas semanais ou 100 METs-h/semana. Ou seja,
para cada um exercitante “extremo” há aproximadamente 5
a 10 mil sedentários. Fica assim óbvio, que a questão de um
raro e improvável excesso teórico de exercício para o coração
não é prioridade em termos de saúde pública.
Então, a prioridade para o cardiologista deve ser reduzir
ou zerar o sedentarismo e estimular o aumento da dose de
exercício da população em geral conseguindo, assim, uma
melhoria da condição aeróbica e, consequentemente, uma
maior expectativa de vida, tendo ainda os b nus adicionais de
uma ampla gama de efeitos fisiológicos benéficos. Por outro
lado, no caso daqueles raros exercitantes “extremos”, pode-
se sugerir que devam ser acompanhados por profissionais
qualificados em lidar com as questões de saúde e de
treinamento próprias desse perfil de desempenho, enquanto
são obtidas novas evid ncias e serão conhecidos os resultados
dessa dose “extrema” de exercício aeróbico sobre o coração
pela análise futura da coorte de 1200 ultra corredores.
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Contribuição dos autores
Concepção e desenho da pesquisa, Redação do
manuscrito e Revisão crítica do manuscrito quanto ao
conteúdo intelectual importante: Araújo CGS, Castro CLB,
Franca JF, Souza e Silva CG.
Potencial conflito de interesse
Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.
Fontes de financiamento
O presente estudo foi parcialmente financiado pelo CNPq
e FAPERJ.
Vinculação acadêmica
Não há vinculação deste estudo a programas de pós-
graduação.
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