ABC | Volume 108, Nº3, Março 2017 - page 90

Ponto de Vista
Exercício Aeróbico e Coração: Discutindo Doses
Aerobic Exercise and The Heart: Discussing Doses
Claudio Gil Soares de Araújo,
1,2
Claudia Lucia Barros de Castro,
1,2
João Felipe Franca,
1
Christina Grüne de Souza e Silva
2
Clínica de Medicina do Exercício, CLINIMEX;
1
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
2
, Rio de Janeiro, RJ - Brasil
As recentes empolgantes imagens dos Jogos Olímpicos e
Paralímpicos, Rio 2016, ficarão para sempre na mente de
cada um de nós. Centenas de recordes mundiais, olímpicos,
continentais e nacionais foram conquistados a partir da
combinação de disciplina, resili ncia, competitividade e
superação. Superação em todos os sentidos - fruto de
milhares de horas de treinamento, que resultaram em
desempenhos aeróbicos excepcionais de atletas com
coração poderoso e extremamente saudável.
O tema exercício aeróbico e coração nunca esteve
tão em evid ncia. Sendo assim, na perspectiva de legado
olímpico, é muito apropriado abordar a relação entre
exercício aeróbico e coração nos Arquivos Brasileiros de
Cardiologia. Mais especificamente, é oportuno discutir a
posologia ou a dosagem mais adequada de exercício para
adultos no contexto da prevenção primária e secundária
das doenças cardiovasculares. Sucintamente, esse ponto-
de-vista pretende discutir e delimitar a faixa terap utica
da dose de exercício aeróbico para o coração e propor
sugestões sobre como a dose pode ser individualizada em
função de determinados critérios e objetivos.
Considerações preliminares
Os animais livres sempre foram e serão seres fisicamente
ativos, sendo o confinamento ou o sedentarismo condições
antinaturais. O homem, tal como é conhecido hoje, foi
capaz de partir de regiões centrais e, por seus próprios
meios de locomoção (exercício), espalhar-se por longínquas
áreas do planeta. Buscar alimento e água e fugir de
predadores, da infância até a senilidade, sempre estiveram
atrelados ao exercício. De fato, o sedentarismo é muito
recente na história da humanidade.
Antes de discutir o tema exercício e coração, é
apropriado conceituar alguns termos (quadro 1).
1,2
Dentre
os vários termos, vale ressaltar a diferença entre atividade
física e exercício. Enquanto ambos envolvem movimento e/
ou contração muscular com gasto energético, no exercício
há intencionalidade de movimento (atividade física) de modo
estruturado e repetitivo, objetivando a manutenção ou a
otimização do condicionamento físico e/ou da saúde e/ou
da estética corporal.
1
Em relação à dose farmacológica, pode-se, geralmente,
definir uma faixa terap utica com limites mínimo e máximo
objetivos. Para um dado indivíduo, é ainda possível
caracterizar uma dose ótima com a melhor relação benefício/
malefício. Na relação exercício aeróbico e coração, é também
possível que exista algo similar; todavia, para melhor entender
essa questão, vamos lançar mão de alguns exemplos extremos.
Indo de um extremo ao outro
Em 1968, o
Dallas Bed Rest Study
3
analisou os efeitos
cardiovasculares da inatividade extrema. Cinco jovens
saudáveis ficaram 21 dias acamados, e ao final desse
período observou-se uma redução de 30% no VO
2
max
(consumo máximo de oxig nio), sendo necessários 60 dias
de treinamento para recuperar as condições pré-internação.
Essa perda de 30% foi maior do que a redução “fisiológica”
do envelhecimento observada em uma reavaliação feita 30
anos depois.
4
Em outubro de 2016, duas fantásticas proezas aeróbicas
foram realizadas. Nos Estados Unidos, Pete Kostelnick correu
de São Francisco a Nova Iorque (±5 mil km), com uma
média de 110 km/dia em diferentes altitudes. (
.
petesfeetaa.com/).
5
Na Inglaterra, Ben Smith gastou mais
de 2,5 milhões de calorias para completar 401 maratonas
(42,195 km) em 401 dias (±17 mil km) (
.
the401challenge.co.uk/).
6
Esses dois integram o crescente
contingente de ultra corredores – >60 mil americanos
em 2013 (
-
state-has-the-most-ultrarunning-finishers-as-percentage-
of-population/)
7
-, isto é, aqueles que participam de provas
(a maioria delas em terrenos acidentados ou
off-road
) com
distâncias superiores a da maratona e, em geral, acima de 50
milhas (80 km). Esses ultra corredores compõem um grupo
avançado e diferenciado, quando comparados ao mais de
meio milhão de americanos que completam, a cada ano,
uma maratona.
Os dois parágrafos acima ilustram os extremos entre o
“quase zero” de atividade física e exercício (repouso no leito)
e o correr várias horas em dias consecutivos por períodos
longos de tempo, sem um dia sequer de descanso. Isso
demonstra, objetivamente, como a dose de exercício é, na
realidade, extremamente ampla e muito mais elástica do que
a de qualquer fármaco de ação cardiovascular, e exemplifica,
também, a tolerância cardíaca de determinados indivíduos
a enormes doses de exercício aeróbico.
Correspondência: Claudio Gil Soares de Araújo •
Rua Siqueira Campos, 93/101, Copacabana. CEP 22031-070, Rio de Janeiro,
RJ - Brasil
E-mail:
Artigo recebido em 18/10/2016; revisado em 01/11/2016; aceito em
01/11/2016.
Palavras-chave
Doenças Cardiovasculares; Exercício; Prevenção; Corrida,
Longevidade.
DOI:
10.5935/abc.20170020
271
1...,80,81,82,83,84,85,86,87,88,89 91,92,93,94,95,96,97,98,99,100,...108
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