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Stent com rapamicina deve chegar ao mercado em 2002


Os stents com rapamicina, associação que previne a reestenose coronária,devem chegar ao mercado no segundo semestre deste ano. A expectativa é de José Eduardo Sousa, diretor técnico do Instituto Dante Pazzanese de São Paulo e coordenador do trabalho que deu origem à técnica, atualmente sob investigação em estudos europeus e americanos e que alçou a cardiologia brasileira a um lugar de destaque no âmbito internacional. "Depois de nosso trabalho, numerosas drogas já foram propostas com a mesma finalidade, e hoje existem mais de 25 substâncias em teste", diz Sousa. Leia a seguir a entrevista que concedeu ao Jornal SBC.

Ano passado, o estudo conduzido pelo sr. sobre a associação entre a rapamicina e os stents foi publicado pelo Circulation e considerado, pela Associação Americana do Coração, um dos dez mais importantes trabalhos científicos realizados no ano. O que isso significa para o sr. e para a equipe do Dante Pazzanese?

O reconhecimento de nosso trabalho constitui uma grande alegria para a equipe e a instituição, o que, logicamente, também se estende para a cardiologia brasileira. A cardiologia de nosso país vem crescendo nos últimos anos, e, de maneira regular, o Brasil se faz presente com vários trabalhos nos dois grandes congressos americanos, o do American College e da Associação Americana do Coração, e o destaque científico de nossa contribuição logicamente desperta o interesse pela cardiologia do país.

Considero esse estudo um marco em nossa cardiologia, porque há muitos anos se pesquisa o problema da reestenose coronária, e, pela primeira vez, propõe-se uma técnica que demonstra, de maneira clara, que o problema está contornado de forma muito satisfatória. Além disso, temos a alegria da pesquisa, de propiciar o bem-estar, de elaborar uma técnica que será formidável etc. No Brasil, já se realizou muito coisa com técnicas nascidas fora; passar a ter algo nascido no país, vou dizer, é sensacional.


Como surgiu a idéia de tentar reduzir a incidência de hiperplasia intimal pela associação de stents com rapamicina?

A rapamicina foi descoberta há mais de 30 anos na Ilha de Páscoa, Chile, por pesquisadores canadenses. No início, eles constataram sua ação antifúngica, portanto, antibiótica.

Só nos últimos 12 anos, essa droga despertou um novo interesse, quando pesquisadores da Califórnia, EUA, descobriram duas propriedades importantes da substância: ser uma droga antiproliferativa e ter ação imunossupressora. Isso foi claramente demonstrado em animais de laboratórios, e esses mesmos investigadores começaram a aplicá-la em pacientes com transplante renal para coibir a rejeição e aumentar a vida dos enxertos, o que foi demonstrado não só na experiência na Califórnia, como em numerosos outros grupos que a testaram. A finalidade era chegar a um protocolo terapêutico que pudesse eliminar a ciscloporina, que é uma droga imunossupressora, mas com muitos efeitos colaterais. Os resultados foram tão bons que o FDA (Food and Drug Administration), dos EUA, aprovou a rapamicina para uso em pacientes com transplante renal e, conseqüentemente, em outras situações.

É óbvio que a ação antiproliferativa da rapamicina interessava particularmente no controle da reestenose, cujo mecanismo causador é exatamente a proliferação de tecido. Disso surgiu a idéia de utilizar o stent com rapamicina para combater a proliferação intimal, já que o stent combate os outros dois mecanismos da reestenose: o encolhimento elástico do vaso e o remodelamento negativo.

Em artigo publicado no número 45 do Jornal SBC, edição maio/junho de 2001, o sr. comenta que os dois grupos estudados (um com stent implantado em formulação rápida, em que o fármaco é liberado até duas semanas após o transplante, e outro com formulação lenta, em que ocorre até quatro semanas após o transplante) tiveram resultados imediatos semelhantes. Isso significa que a associação de stents com rapamicina pode ser administrada com formulação rápida e lenta?

No início, os stents recobertos com rapamicina tiveram essas duas composições, as quais obtiveram resultados idênticos. Como foram iguais, por uma questão de "segurança", todas as investigações posteriores foram com liberação lenta.


Há a condução de outros estudos no Brasil e no exterior para confirmar/aprimorar esse estudo. Quais são os resultados preliminares?

Após a apresentação dos resultados de quatro meses do estudo – em que se demonstrou nenhuma proliferação intimal nos 30 pacientes –, no Congresso da Associação Americana do Coração, em novembro de 2000, surgiu a idéia de reproduzir a técnica. Foram idealizados dois estudos multicêntricos: o Ravel, com realização por 17 centros da Europa e quatro da América Latina, sendo três no Brasil (Dante Pazzanese e InCor, de São Paulo, e a Clínica Constantini, de Curitiba), e o estudo americano. O Ravel reuniu 237 pacientes, e seus resultados iniciais já foram apresentados inicialmente no Congresso Europeu de Cardiologia, em setembro do ano passado, em Estocolmo, e posteriormente no da Associação Americana do Coração. Os resultados foram fantásticos: a reestenose foi de 0%. No estudo americano, que deve ser concluído em maio deste ano, incluíram-se mais de 1.000 pacientes; a perspectiva é de também ter resultados fantásticos. Com a conclusão do estudo Ravel e, esperamos, do americano, temos solidificado o papel do stent com rapamicina no tratamento da reestenose.

Quero dizer outro fato extremamente importante: depois de nosso trabalho, numerosas drogas já foram propostas com a mesma finalidade, e hoje existem mais de 25 substâncias em teste. Duas delas já têm experimentação em seres humanos: taxol, cujo investigador principal é da Alemanha, e actinomicina, cujo investigador principal é da Holanda.

Após seis meses da aplicação do stent, a reestenose acomete cerca de 20% dos pacientes; o stent com rapamicina evitou a reestenose após um ano da aplicação do stent. Há uma previsão de até quando esse associação evitará a reestenose nesses pacientes?

Normalmente a reestenose ocorre seis meses depois da angioplastia; em média, 20% dos pacientes com stent a têm. Em nossa experiência, em nosso estudo, que é o pioneiro, já estamos com dois anos de evolução, e não se encontrou reestenose dentro do stent após quatro meses, um ano e dois anos. Dois pacientes tiveram progressão da doença em outros locais da rede coronária, os quais foram tratados de maneira convencional. Conforme se pode observar, o Brasil continua na dianteira das informações, porque nem o estudo Ravel ou o americano completaram um ano de observação.


Já há previsão de comercialização de stents associados à rapamicina? Qual empresa detém esse projeto?

A grande preocupação é quando o stent com rapamicina será liberado para uso geral na população, e não só em projetos de pesquisa. Nos países europeus e latino-americanos participantes do estudo Ravel, o stent com essa substância, produzido pela Johnson & Johnson, está em processo de registro. Espera-se que, no decorrer deste ano, ele já possa ser usado livremente em vários países, possivelmente no segundo semestre.


"O reconhecimento de nosso trabalho constitui uma grande alegria para a equipe e a instituição, o que também se estende para a cardiologia brasileira."
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