Ano
passado, o estudo conduzido pelo sr. sobre a associação entre a
rapamicina e os stents foi publicado pelo Circulation e considerado, pela
Associação Americana do Coração, um dos dez mais importantes trabalhos
científicos realizados no ano. O que isso significa para o sr. e para a
equipe do Dante Pazzanese?
O
reconhecimento de nosso trabalho constitui uma grande alegria para a
equipe e a instituição, o que, logicamente, também se estende para a
cardiologia brasileira. A cardiologia de nosso país vem crescendo nos
últimos anos, e, de maneira regular, o Brasil se faz presente com vários
trabalhos nos dois grandes congressos americanos, o do American College e
da Associação Americana do Coração, e o destaque científico de nossa
contribuição logicamente desperta o interesse pela cardiologia do país.
Considero
esse estudo um marco em nossa cardiologia, porque há muitos anos se
pesquisa o problema da reestenose coronária, e, pela primeira vez,
propõe-se uma técnica que demonstra, de maneira clara, que o problema
está contornado de forma muito satisfatória. Além disso, temos a
alegria da pesquisa, de propiciar o bem-estar, de elaborar uma técnica
que será formidável etc. No Brasil, já se realizou muito coisa com
técnicas nascidas fora; passar a ter algo nascido no país, vou dizer, é
sensacional.
Como surgiu a
idéia de tentar reduzir a incidência de hiperplasia intimal pela
associação de stents com rapamicina?
A
rapamicina foi descoberta há mais de 30 anos na Ilha de Páscoa, Chile,
por pesquisadores canadenses. No início, eles constataram sua ação
antifúngica, portanto, antibiótica.
Só nos
últimos 12 anos, essa droga despertou um novo interesse, quando
pesquisadores da Califórnia, EUA, descobriram duas propriedades
importantes da substância: ser uma droga antiproliferativa e ter ação
imunossupressora. Isso foi claramente demonstrado em animais de
laboratórios, e esses mesmos investigadores começaram a aplicá-la em
pacientes com transplante renal para coibir a rejeição e aumentar a vida
dos enxertos, o que foi demonstrado não só na experiência na
Califórnia, como em numerosos outros grupos que a testaram. A finalidade
era chegar a um protocolo terapêutico que pudesse eliminar a ciscloporina,
que é uma droga imunossupressora, mas com muitos efeitos colaterais. Os
resultados foram tão bons que o FDA (Food and Drug Administration), dos
EUA, aprovou a rapamicina para uso em pacientes com transplante renal e,
conseqüentemente, em outras situações.
É
óbvio que a ação antiproliferativa da rapamicina interessava
particularmente no controle da reestenose, cujo mecanismo causador é
exatamente a proliferação de tecido. Disso surgiu a idéia de utilizar o
stent com rapamicina para combater a proliferação intimal, já que o
stent combate os outros dois mecanismos da reestenose: o encolhimento
elástico do vaso e o remodelamento negativo.
Em
artigo publicado no número 45 do Jornal SBC, edição maio/junho
de 2001, o sr. comenta que os dois grupos estudados (um com stent
implantado em formulação rápida, em que o fármaco é liberado até
duas semanas após o transplante, e outro com formulação lenta, em que
ocorre até quatro semanas após o transplante) tiveram resultados
imediatos semelhantes. Isso significa que a associação de stents com
rapamicina pode ser administrada com formulação rápida e lenta? |
No
início, os stents recobertos com rapamicina tiveram essas duas
composições, as quais obtiveram resultados idênticos. Como foram
iguais, por uma questão de "segurança", todas as
investigações posteriores foram com liberação lenta.
Há
a condução de outros estudos no Brasil e no exterior para
confirmar/aprimorar esse estudo. Quais são os resultados preliminares?
Após a
apresentação dos resultados de quatro meses do estudo – em que se
demonstrou nenhuma proliferação intimal nos 30 pacientes –, no
Congresso da Associação Americana do Coração, em novembro de 2000,
surgiu a idéia de reproduzir a técnica. Foram idealizados dois estudos
multicêntricos: o Ravel, com realização por 17 centros da Europa e
quatro da América Latina, sendo três no Brasil (Dante Pazzanese e InCor,
de São Paulo, e a Clínica Constantini, de Curitiba), e o estudo
americano. O Ravel reuniu 237 pacientes, e seus resultados iniciais já
foram apresentados inicialmente no Congresso Europeu de Cardiologia, em
setembro do ano passado, em Estocolmo, e posteriormente no da Associação
Americana do Coração. Os resultados foram fantásticos: a reestenose foi
de 0%. No estudo americano, que deve ser concluído em maio deste ano,
incluíram-se mais de 1.000 pacientes; a perspectiva é de também ter
resultados fantásticos. Com a conclusão do estudo Ravel e, esperamos, do
americano, temos solidificado o papel do stent com rapamicina no
tratamento da reestenose.
Quero
dizer outro fato extremamente importante: depois de nosso trabalho,
numerosas drogas já foram propostas com a mesma finalidade, e hoje
existem mais de 25 substâncias em teste. Duas delas já têm
experimentação em seres humanos: taxol, cujo investigador principal é
da Alemanha, e actinomicina, cujo investigador principal é da Holanda.
Após
seis meses da aplicação do stent, a reestenose acomete cerca de 20% dos
pacientes; o stent com rapamicina evitou a reestenose após um ano da
aplicação do stent. Há uma previsão de até quando esse associação
evitará a reestenose nesses pacientes?
Normalmente
a reestenose ocorre seis meses depois da angioplastia; em média, 20% dos
pacientes com stent a têm. Em nossa experiência, em nosso estudo, que é
o pioneiro, já estamos com dois anos de evolução, e não se encontrou
reestenose dentro do stent após quatro meses, um ano e dois anos. Dois
pacientes tiveram progressão da doença em outros locais da rede
coronária, os quais foram tratados de maneira convencional. Conforme se
pode observar, o Brasil continua na dianteira das informações, porque
nem o estudo Ravel ou o americano completaram um ano de observação.
Já há previsão de comercialização de stents
associados à rapamicina? Qual empresa detém esse projeto?
A grande preocupação
é quando o stent com rapamicina será liberado para uso geral na
população, e não só em projetos de pesquisa. Nos países europeus e
latino-americanos participantes do estudo Ravel, o stent com essa
substância, produzido pela Johnson & Johnson, está em processo de
registro. Espera-se que, no decorrer deste ano, ele já possa ser usado
livremente em vários países, possivelmente no segundo semestre. |