EMENTA
O médico, para melhor servir ao paciente, deve ter
autonomia e liberdade no exercício de sua profissão. Se houver pedidos
reiterados de exames considerados desnecessários e com indícios de
procedimento doloso, deve-se levar o caso ao conhecimento do Conselho
Regional competente, sem prejuízo de medidas que possam ser adotadas com
base em regras internas da instância prejudicada, respeitado o princípio
constitucional de defesa. Mas fere a Ética Médica a limitação de
procedimentos permitidos ao médico (f ator moderador), sendo também
antiéticas as medidas punitivas que lhe possam ser impostas quando
ultrapassados os limites estabelecidos como estatisticamente aceitáveis
(fator redutor).
APRESENTAÇÃO
Em 11 de maio de 1999, o Conselho Regional de Medicina
do Estado de Alagoas consultou o Conselho Federal de Medicina sobre a
Resolução CONAD nº 003/98, da UNIMED – Maceió, que dispõe sobre
mecanismos reguladores da quantidade de exames complementares e seus
efeitos negativos sobre a UT, mecanismos esses designados "fator
moderador e fator redutor".
Na referida resolução, argumentam seus autores que o
(suposto) excesso de exames complementares traz insatisfação aos
cooperados e danos à cooperativa. Argüem (os dirigentes da Unimed) a
necessidade de fixação de critérios internos para equacionar a questão
no âmbito da Unimed – motivo pelo qual a medida se torna necessária.
O CREMAL, consulente dessa matéria, justifica-se
lembrando que as "Unimeds estão presentes em outros estados e que,
por isso, o Conselho Regional precisa de um posicionamento nacional acerca
da referida legislação".
PARECER
Ao compulsar a Resolução CONAD nº 003/98,
verifica-se que o Conselho de Administração da UNIMED – Maceió,
devido ao alegado aumento dos exames complementares e seus efeitos
negativos sobre a UT, resolveu adotar, tomando por base a média de cada
setor, limites para a solicitação de exames pelos médicos cooperados.
Tais limites ( fator moderador), se ultrapassados, provocarão descontos
percentuais na produção do médico que os determinar – mecanismo
chamado fator redutor.
Analisamos a matéria do ponto de vista da ética
normativa, orientando-nos pelas regras contidas no Código de Ética
Médica, instrumento legal que contém e define o âmbito de nossa
competência.
I-Código de Ética Médica
1- Princípios Fundamentais
Art. 2º - O alvo de toda a atenção do médico é
a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo
de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.
Art. 5º- O médico deve aprimorar continuamente seus co
nhecimentos e usar o melhor do progresso científico
em benefício do paciente.
Art. 8º- O médico não pode, em qualquer
circunstância ou sob qualquer pretexto, renunciar à sua liberdade
profissional, devendo evitar que quaisquer restrições ou imposições
possam prejudicar a eficácia e correção de seu trabalho.
2- Direitos do Médico
Art. 21- Indicar o procedimento adequado ao
paciente, observadas as práticas reconhecidamente aceitas e respeitando
as normas legais vigentes no país.
3- Relação com Pacientes e Familiares
(É vedado ao médico)
Art. 57- Deixar de utilizar todos os meios
disponíveis de diagnóstico e tratamento a seu alcance em favor do
paciente.
4- Remuneração Profissional
(É vedado ao médico)
Art. 96 - Reduzir, quando em função de direção
ou chefia, a remuneração devida ao médico, utilizando-se de descontos a
título de taxa de administração ou quaisquer outros artifícios.
Como se vê, todos estes preceitos consagram a
autonomia profissional do médico. Assim, como princípios do Código de
Ética não podem ser violados, porque se o fossem provocariam a negação
de um dos fundamentos mais fortes da medicina: a soberania dos que dela
fazem trabalho e profissão.
Se o médico goza da presunção do saber e se recai
sobre ele a responsabilidade pelo resultado de sua conduta, justo se torna
respeitar sua maneira de agir. O condicionamento ou limitação de uma
forma de trabalho tira àqueles que o realizam a dignidade e o respeito
que lhes são devidos, independente da profissão exercida. Não obsta a
este juízo a circunstância de a restrição ser feita por ameaça de
redução de ganhos, porque essa forma de penalização, além de
cerceamento, produz humilhação.
No artigo 96, acima citado, vê-se que o Código de
Ética preocupa-se com esse modo de procedimento, terminantemente
proibindo:
"Reduzir (...) a remuneração devida ao
médico, utilizando-se de descontos a título de taxa de administração
ou quaisquer outros artifícios"
Essa proteção dada ao trabalho do médico é
importante, válida e necessária. Não apenas para o profissional, mas
também para o paciente.
No entanto, essa validade só prevalece quando se
consideram os médicos como categoria universal de profissionais honestos,
eficientes, corretos. Mas esta generalidade, infelizmente, não pode ser
feita em nenhum contexto humano.
Do imenso contingente de médicos dignos, esforçados e mal pagos –
inclusive por UNIMEDS – destacam-se as restritas exceções daqueles que
fogem dos padrões da medicina séria, valendo-se de expedientes
condenáveis para aumentar proveitos e pecúnia, justificando-se com o
argumento das baixas remunera
ções. Se os pagamentos são baixos, como todos
reconhecem, condenável é o meio que consiste na realização de
procedimentos exagerados, desnecessários, feitos ou pedidos sob qualquer
pretexto ou justificativa. Na linguagem, isto chama-se ilícito ético;
mas na legislação penal, estelionato (CP, art. 171).
O artigo 42 do CEM expressa:
(É vedado ao médico) Praticar ou indicar atos
médicos desnecessários ou proibidos pela legislação do país .
Portanto, a liberdade profissional do médico não
significa imunidade para que faça o que quiser, mas somente aquilo que
lhe for possível sustentar e defender como necessário aos cuidados e
benefícios do paciente. Respeitado o consagrado princípio da obrigação
de meios, o médico responderá pelos danos que produzir no contexto da
culpa. E se isto vale para proteger o paciente das condutas técnicas
indevidas, mesmo que resultantes de impropriedades subjetivas inerentes ao
ser humano, absurdo seria ignorar práticas abusivas e até dolosas
relacionadas a procedimentos sôfregos que visam interesses de ganho
material.
Feitas essas considerações, podemos colocar a
questão em dois planos distintos:
1º- o médico, para desempenhar com responsabilidade o
seu ofício, precisa de liberdade profissional;
2º - o médico, no exercício do seu trabalho, não
pode exceder-se em atos desnecessários ao diagnóstico ou terapêutica
dos seus pacientes.
CONCLUSÃO
Na essência desta consulta, encontra-se o eterno
conflito do interesse humano.
Cooperativas são organizações mutualistas surgidas
de louváveis motivações e conveniências.
As cooperativas médicas, em princípio, são ou
deveriam ser estruturas solidárias do esforço médico para desempenhar
com eficiência o trabalho a que se propõem. São, ou deveriam ser,
democráticas. São, ou deveriam ser, transparentes. Os médicos que as
integram (cooperados) devem ou deveriam nelas encontrar uma fortaleza para
o seu trabalho, inclusive para competir num mercado em que atuam, de modo
hegemônico, organizações de outra natureza, mas filosoficamente
mercantilistas e dominadas por investidores alheios aos compromissos da
medicina.
Causa tristeza ver em muitas cooperativas médicas
conflitos e pleitos de natureza semelhante aos que se encontram em planos
e seguradoras de saúde.
A concepção dos fatores moderador e redutor apontam
para a existência de irregularidades que devem ser interativas e danosas,
a ponto de causar preocupação aos dirigentes da UNIMED – Maceió e
levá-los à adoção das providências engenhosas que conceberam.
Não se pode impedir as providências adotadas por dirigentes de
organizações ou empresas com vistas à consecução de resultados
favoráveis aos objetivos para que foram criadas, desde
que tais ações não conflitem com dispositivos legais. Todas as
organizações humanas, por mais simples que sejam, subordinam-se às leis
que valem para todos, embora concebam e apliquem, por necessidades
específicas, suas leges internae corporis . E mesmo que estas últimas
não existissem de modo explícito, ainda assim restariam, para ajudar a
resolver dificuldades, outros pilares sólidos do Direito: costumes,
analogia, princípios gerais.
Essas considerações pretendem trazer-nos a
possibilidade de concluir:
1º - Uma empresa, que se dedica à prestação de
assistência à saúde, ao negar autorização para um cuidado ou
tratamento, responderá por conseqüências danosas – se essas ocorrerem
– tanto na esfera ética (quando médicos estiverem envolvidos) como no
campo jurídico.
2º - A introdução de mecanismos tarifados na
prática médica (como esses fatores concebidos pela UNIMED – Maceió)
pode, ao limitar o trabalho do médico, acarretar prejuízos ao paciente,
pois as restrições impostas poderiam privá-los dos cuidados devidos e
indispensáveis.
3º - A liberdade profissional do médico não deve
sofrer interferências, cerceamentos ou obstáculos. No entanto, o
conhecimento certo ou a flagrância de atos contrários à lisura e boa
prática da medicina autoriza até mesmo um outro médico comunicar tal
fato à Comissão de Ética da instituição e, se necessário, ao
próprio Conselho Regional de Medicina (Código de Ética Médica, art.
19).
4º - Toda fonte pagadora tem o direito de conferir e
verificar o produto ou serviço pelos quais paga, presumindo-se a
existência de uma relação contratual entre as partes.
No caso da medicina, as particularidades
extraordinárias e profundas resultantes do produto vida exigem que a
observância dessa regra seja extremamente cautelosa. Mas se houver
evidência ou prova de que há delito, devem os atingidos ou controladores
acionar procedimentos cabíveis contra o faltoso, punindo-o segundo regras
previstas ou adotando providências de proteção aos interesses da
coletividade qualificada ou do paciente, como sujeito universal de
direitos. (Desnecessário referir que os acusados têm o direito de
defesa, assegurado por remotos entendimentos das sociedades humanas.)
Concluindo, afirmamos nossa opinião de que o
expediente dos fatores de moderação e redução são engenhosos mas
contrários à ética médica, razão pela qual medidas de outra natureza
devem ser postas em prática para inibir ou excluir das organizações
sérias aqueles que colidem com seus propósitos e objetivos.
Brasília, 12 de dezembro de 2000.
Oliveiros Guanais de Aguiar
Conselheiro Relator
Parecer aprovado em Sessão Plenária |