Tem
sido freqüente o cometimento de graves ilicitudes por parte das
operadoras de planos de saúde em relação, principalmente, aos
consumidores de assistência médica seus beneficiários e aos
profissionais conveniados.
Neste contexto, chama-nos à
atenção o descredenciamento dos prestadores de serviço, vitimados pelas
arbitrariedades de operadoras que, reiteradas vezes, procedem em desacordo
com a normatização pertinente. Este artigo presta-se a relatar,
sinteticamente, os pressupostos legais cuja inobservância pela operadora
invalida o ato de descredenciamento do prestador do serviço.
A regulação da matéria difere
substancialmente conforme seja ou não o prestador do serviço uma
entidade hospitalar. No primeiro caso, e justificadamente a nosso ver, o
descredenciamento mereceu atenção toda especial da Lei nº 9.656/98,
conhecido veículo normativo no qual aos serviços de saúde complementar
reconheceu-se interesse público e em que se prescreveu, em minúcias, o
funcionamento e o controle, via ANS, das atividades empreendidas pelas
operadoras de planos de assistência médica.
Estabelece o artigo 17 da referida
lei que o descredenciamento de entidades hospitalares pode dar-se tão
somente em duas hipóteses bem definidas, a saber: (i) substituição do
prestador do serviço; e (ii) redimensionamento da rede hospitalar por
redução. Cada qual destas alternativas carreia diferentes pressupostos
de validade.
Quanto à substituição da
entidade hospitalar (art. 17, §1º), supõe-se que a respectiva
operadora, cumulativamente: (a) credencie outro prestador de padrão
comparável ao do substituído; e (b) com trinta dias de antecedência,
anuncie o descredenciamento ao prestador do serviço, à Agência Nacional
de Saúde Suplementar – ANS e aos consumidores beneficiários de seus
planos assistenciais.
Já no que respeita ao
redimensiona-mento da rede hospitalar por redução (art. 17, §4º), é
menor a liberdade de que desfruta a operadora, uma vez que o ato de
descredenciamento depende, neste caso, de autorização expressa da ANS
baseada (i) na capacidade operacional a ser diminuída; (ii) no impacto
sobre a massa assistida em função da capacidade operacional
remanescente; e (iii) na obrigatoriedade de ser mantida cobertura com
padrão de qualidade equivalente e sem ônus adicional ao consumidor.
Bem se vê que, em se tratando de
entidades hospitalares, a especial dedicação legislativa à
normatização do descredenciamento vem motivada antes pela intenção de
proteger os consumidores dos planos assistenciais do que pelo propósito
de atender aos interesses da classe médica prestadora dos serviços.
A sua vez, o descredenciamento de
so-ciedades não-hospitalares e de pessoas físicas comporta, ainda, uma
segunda subdivisão, conforme entre estes e a ope-radora a relação seja
meramente contra-tual (contrato de prestação de serviços) ou
societária, na hipótese, cada vez mais comum, de a operadora
organizar-se sob a forma de cooperativa de trabalho.
Na primeira situação, a
normatização legal se encontra genericamente disposta no Código
Civil1 , através da figura típica do contrato de prestação de
serviços (locação de serviços, nos termos do velho código).
Neste caso, tendo o contrato prazo
determinado de duração, o descredencia-mento sem justa causa ensejará o
pagamento de toda a remuneração devida pelos serviços executados, e
mais metade da que seria devida até o final do contrato, salvo se as
partes houverem estipulado cláusula diversa. Se, por outro lado, o
prestador der causa ao descredenciamento em virtude do inadimplemento de
seus deveres contratuais, terá direito apenas à remuneração pelos
serviços já prestados, respondendo, porém, à operadora por eventuais
danos que lhe houver causado.
Tratando-se de contratos a prazo
inde-terminado, o descredenciamento exigirá sempre aviso prévio, cujo
prazo, se o contrato a respeito nada dispuser, será variável de acordo
com o intervalo de tempo em que era pactuada a remuneração. Assim, se a
remuneração era mensal (ampla maioria dos contratos), o aviso prévio
deverá ser de, no mínimo, oito dias; se era quinzenal ou semanal, de
quatro dias; e se em intervalos menores, de um dia.
Sendo a operadora sociedade
cooperativa e o prestador seu filiado, o descre-denciamento desloca-se da
órbita puramente contratual para a societária. Isso porque, nesta
hipótese, o descredencia-mento é em tudo equivalente à própria
eliminação do associado dos quadros da entidade a que pertence e, por
isso, deverá observar os requisitos para tanto particularmente
estabelecidos.
O procedimento de exclusão vem
regulado por lei especial (Lei nº 5.764/71) que, em seu artigo 33, exige
para a legitimidade do ato tenha o descreden-ciado infringido dispositivo
de lei ou do estatuto da cooperativa. O prestador do serviço será
comunicado pelos órgãos administrativos da entidade e disporá do prazo
de trinta dias para interpor recurso dotado de efeito suspensivo à
Assembléia Geral, que poderá readmiti-lo aos quadros sociais.
O melhor conhecimento desse
conjunto de regras, cremos, habilitará o profissional a reconhecer mais
facilmente o descredenciamento ilegal ou abusivo, evitando prejuízos a
ele próprio e aos usuários de seus serviços.
Marcos
Tranchesi Ortiz
Flávio Roberto Batista
Nessa matéria, o Novo Código
Civil não trouxe nenhuma inovação ao tratamento, limitando-se a repetir
as disposições do velho código.
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