Artigo de Revisão
Stein et al.
Genética e exercício
Arq Bras Cardiol. 2017; 108(3):263-270
No subtipo 2 da SQTL, os pacientes podem apresentar eventos
cardíacos devido a estímulos auditivos (rádio ou telefone
tocando), e uma susceptibilidade maior em mulheres durante
o período pós-parto (choro do recém-nascido). Mutações do
gene KCNH2 (canal de potássio retificador rápido, Kv11.1) t m
sido associadas com o desenvolvimento dessa doença. Menos
prevalente do que os outros dois, a SQTL tipo 3 temum substrato
parassimpático. Nesse subtipo, os pacientes podem apresentar
eventos cardíacos durante os períodos de descanso ou sono.
As mutações no gene SCN5A (gene do canal de sódio, Nav1.5)
t m sido associadas com o desenvolvimento dessa síndrome,
assim como à SBr.
Os eventos arrítmicos associados com a SBr geralmente
ocorremdurante episódios de febre, usode algunsmedicamentos,
no sono ou após o exercício.
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É possível que a atividade física
tenha um efeito pró-arrítmico, seja associado à hipertermia ou
à retirada simpática e/ou t nus vagal aumentado em atletas no
período pós-esforço. No entanto, essa associação ainda é incerta
e as recomendações das diretrizes americanas não mencionam
restrições esportivas nesses pacientes.
Finalmente, a TVPC é uma doença associada a alterações
na liberação de cálcio intracelular do retículo sarcoplasmático.
Muitas vezes é expressa durante as primeiras décadas de vida,
manifestando-se por síncope ou MS associada ao exercício e/
ou situações de estresse. Por tal motivo, diretrizes internacionais
recomendam restrições rígidas ao esporte nesses casos.
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Pacientes com TVPC podem apresentam mutações nos genes
RYR2 (principal deles), CASQ2 e KCNJ2.
Doenças hereditárias da aorta, genética e esporte
Este grupo de doenças inclui um conjunto de distúrbios
hereditários do tecido conjuntivo que predispõe a dilatações
e aneurismas da aorta (AA) e/ou dissecção (DA), com risco
aumentado deMS durante a atividade física. Entre essas doenças
estão síndromes genéticas raras (Marfan, Loeys-Dietz e Ehlers-
Danlos tipo vascular) e apresentações não sindr micas, como a
doença aneurismática da aorta torácica familiar.
Ao se realizar a APP em pacientes com doenças da
aorta classificadas como sindr micas, deve-se estar atento à
variabilidade ou à sobreposição fenotípica dessas doenças.
A identificação de sinais clínicos em um indivíduo que a
princípio teria um fenótipo normal pode contribuir para o
diagnóstico diferencial,
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dentre os quais destacamos:
habitus
marfanoide, cifose/escoliose, alterações na elasticidade da pele
e/ou articulações, ectopia
lentis
e dismorfismos crânio-faciais.
Em um relato de caso, a detecção de AA abdominal em um
atleta de elite do basquetebol americano foi realizada após
diagnóstico tardio de Marfan.
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Em outro caso, a MS por DA
incidiu emumhalterofilista diagnosticado apenas após autópsia,
tendo sido sugerido diagnóstico de uma “fibrilinopatia não-
marfan”. A saber, seu ecocardiograma era normal, mas sua
mãe havia falecido em idade jovem, também por DA.
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Outros
autores
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relataram uma família com tr s gerações afetadas
(Marfan). O diagnóstico foi realizado somente após quadro de
DA em um halterofilista de 30 anos. Nesse caso, tanto o pai
quanto o irmão haviam falecido a caminho do hospital após
perderem subitamente a consci ncia durante treinamento com
peso (em diferentes ocasiões).
A sobreposição fenotípica pode ocorrer nessas doenças, como
se observa entre as síndromes de Loeys-Dietz e a de Marfan. A
diferenciação é importante para estabelecer o prognóstico e a
regularidade do seguimento clínico-cardiológico. Em pacientes
comMarfan, é essencial proceder a uma vigilância do diâmetro
da aorta em relação à superfície corporal,
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da rigidez arterial,
assim como da função ventricular.
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Por sua vez, em afetados
com Loeys-Dietz, uma avaliação sistemática de aneurismas em
múltiplas artérias se faz necessária. Referenciar ao especialista
em genética médica ou a um centro especializado colabora
no manejo desses pacientes.
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O exame genético tem valor na
definição de casos
borderline
ou duvidosos (que não cumprem
critérios para diagnóstico clínico dessa síndrome), alémde auxiliar
no diagnóstico diferencial entre as aortopatias.
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A DA ou ruptura aneurismática na síndrome de Marfan
ou em outras aortopatias pode ser causa de MS no atleta.
O aumento na pressão sanguínea aórtica e do estresse durante
o exercício, no contexto de uma predisposição genética, pode
acelerar a formação do aneurisma e servir como um gatilho para
uma dissecção/ruptura da aorta ou de outras artérias. Com base
em uma coorte de indivíduos admitidos com DA em unidade
de emerg ncia, foi evidenciado que os sindr micos apresentam
maior risco de recorr ncia e de morte em relação àqueles não
sindr micos.
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As diretrizes recomendam que os atletas em
geral que apresentem aumento no diâmetro da aorta (> 40
mm em adultos) podem participar somente de esportes de
baixa intensidade dinâmica e estática (classe IA).
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Um estudo
acompanhou uma coorte de 732 indivíduos com Marfan, todos
em tratamento farmacológico, por 6 anos. O risco de eventos
aórticos e de MS permaneceu baixo naqueles pacientes com
diâmetro da aorta entre 35 e 49 mm. No entanto, um diâmetro
de 50 mm foi descrito como ponto de corte para indicação de
cirurgia profilática.
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Por fim, condutas baseadas no diâmetro da
aorta t msido propostas, não apenas na síndrome deMarfan, mas
também em outras aortopatias, como a doença aneurismática da
aorta torácica familiar e a síndrome de Ehlers-Danlos.
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Utilidade e limitações do estudo genético nas
cardiopatias hereditárias
Atualmente, como advento das técnicas de sequenciamento
de nova geração, doenças com uma elevada heterogeneidade
clínica e genética podem ser estudadas com maior rapidez
e precisão. Tal tecnologia oferece a possibilidade de
projetar painéis que captam os genes envolvidos com cada
grupo dessas doenças (painéis genéticos específicos para
miocardiopatias, canalopatias ou doenças da aorta). Além
disso, painéis ampliados voltados para o estudo de MS com
doença cardíaca estrutural ou não estrutural, entre outros,
também são de utilidade nesse contexto.
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Em geral, quando se tem um quadro clínico evidente
que gere a suspeita de uma doença em particular, o estudo
genético diagnóstico terá maior probabilidade de confirmá-lo
(alta probabilidade pré-teste). Em relação ao desempenho dos
testes genéticos nas miocardiopatias primárias, utilizando-se
um painel bem desenhado, é factível se identificar mutações
em até 70% dos casos de MCH, por exemplo. Demais genes
associados e a probabilidade pré-teste de sua identificação
nas miocardiopatias, canalopatias e doenças da aorta estão
descritos nas Tabelas 1, 2 e 3.
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