Ao
mestre que se foi
Acabo
de voltar do enterro. Acho que o padre pisou no vernáculo. Sempre que
morre alguém, a gente une frustração ao sentimento de perda e
principalmente de medo. E aí quando vai ser a minha vez? Antigamente,
quando se encontrava com os amigos, era na alegria. Hoje é na morte, quer
dizer, na tristeza do velório de ente querido.
Lembro que o mestre, de
vez em quando, ia até à Farmácia pegar o "desentupidor". Era
assim que ele chamava o clister de glicerina, tradicional laxante para
intestino mais preguiçoso. E era sempre o mesmo diálogo:
"Professor, o senhor já fez a receita? Não. Então faça, por
favor. Ih, lá vem você de novo me encher o saco! Será que você faz
isso com todo mundo? Claro, é preciso fazer a receita. Ah, você é um
baita dum enrolão, qualquer hora eu vou falar com o Zé."
Na década de 80, ele
chegou a recusar convite para ser Ministro da Saúde, porque não gostava
de aparecer. Mas foi obrigado a assumir o cargo de médico do Presidente,
a quem só tratava como o Chefe.Era profissional diferenciado, categoria
3C: Criativo, Conhecedor e Competente. Mas não gostava de muita frescura
e parecia até meio antipático. Dizia estar vacinado contra dar
entrevista. Preferia ir para fazenda, cuidar dos seus cachorros da raça
Rotweiller. E foi mesmo um recém-nascido Rotweiller, que marcou meu
último episódio de convivência com o ítalo-amigo Giovanni Mauro
Vitorio Bellotti.
Um belo dia, perguntei se
ele não conhecia alguém que pudesse me arranjar um cachorro? "Se
for Rotweiller, eu posso, mas fica calado que só tenho um e muita gente
vive me pedindo. Daqui a uns 50 dias você passa lá em casa, que lhe
entrego. Primeiro, deixa eu vacinar."Dois meses depois fui buscar o
Boris Yeltsin e tive que ouvir o sermão:" Olha aqui, se você não
cuidar bem desse cachorro, você vai vê seu filho da p., cachorro é como
a gente, só precisa é ser bem tratado."Quando fui saindo,
arrisquei: E quantos anos vive um Rotweiller?
"Não se preocupe meu amigo, quando
eu morrer ele irá comigo." Meu cão Boris, morreu com câncer na
semana passada...É a vida!
George Washington Cunha
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