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Mercantilização da medicina contemporânea Existe um desafio, que os profissionais da medicina enfrentam no mercado brasileiro, que deve ser encarado de frente. O simples fato de o médico possuir competência técnica não é mais suficiente para atrair e reter seus pacientes. O conhecimento técnico é importante, para não dizer fundamental, mas para reter um paciente e torná-lo um cliente fiel é necessário que o médico seja percebido, pelos pacientes, com qualidade superior, e isso envolve outras questões. Para alcançar um diferencial, são exigidas novas competências como Administração, Contabilidade, Direito e Informática, às quais, em geral, o profissional não tem acesso nas faculdades de medicina. Não faz muito tempo a medicina no Brasil era dominada pelos chamados "médicos de família"; o médico era considerado pela família e tinha credibilidade junto a várias gerações, dos avós aos netos. A alteração desse panorama foi iniciada nos anos 60, quando surgiram as primeiras iniciativas privadas de medicina de grupo, os convênios de saúde. Abriu-se também a perspectivas do acesso a especialistas e a formas cada vez mais sofisticadas de diagnóstico. O mercado médico brasileiro passou a oferecer vários tipos de atendimento aos pacientes, dentre eles, citamos: o financiamento do tratamento feito pelo próprio paciente (o menos usual hoje); o Sistema Único de Saúde, o SUS (que atende o maior número de pessoas, apesar da estrutura precária); e a medicina supletiva (exemplos: medicina de grupo, cooperativa médica, a autogestão, o plano de administração e o seguro saúde). Isso provocou insatisfação por parte dos pacientes, que não são atendidos como gostariam, e por parte dos profissionais, que recebem remuneração menor do que a desejada, por vezes até aviltante. A partir de então, com o crescimento das escolas médicas, a busca de novas qualificações e a concorrência acirrada, o perfil dos médicos brasileiros passa a ser constituído por um conjunto repleto de desigualdades como, características regionais, salariais, especialidades, gêneros e gerações, tornando o mercado restrito em alguns casos. Surge então o procedimento médico adverso ao paciente de forma mais freqüente e passível de responsabilização ética, penal e civil, o dito erro médico, que na verdade não é a expressão mais adequada, sendo melhor a denominação má prática médica. Resta-nos então, conceituar o erro médico punível e o inimputável, ou seja, quando o médico, por sua ação ou omissão, deve ser responsabilizado e condenado ética, penal ou civilmente, ou quando o fato esteja enquadrado na denominação clássica "caso fortuito" – impossível de atribuir responsabilidade a quem quer que seja. Nesse cenário, surge o Seguro Médico.
Precisamos, neste momento, abordar o que é mais importante e urgente para evitar que a justiça e a sociedade enveredem por um caminho que outros paises percorrem, e que com aparência de avanço na defesa da cidadania, constitui verdadeira mercantilização da saúde, da doença e do ato médico, com brutal desumanização e encarecimento da assistência médica. Desumanização porque o médico passará a ver no paciente o seu inimigo de amanhã, e este verá no médico, ou na instituição onde é atendido, uma fonte de lucro na hipótese de insucesso terapêutico. Se acusam os médicos, por vezes, de mercantilizar a saúde, agora teremos a mercantilização da doença, transformando-a em capital a ser aplicado e gerador de dividendos, na maioria das vezes, em favor de terceiros. Não bastasse tudo o que foi exposto, o novo Código Civil, nos seus artigos 787, 757, 762, 768 e 786 prevê a possibilidade de qualquer pessoa contratar seguro de responsabilidade civil por dano causado a terceiros. Surge a questão de o médico fazer um seguro de responsabilidade civil, prevendo a possibilidade de vir a ser processado por um paciente, criando obrigações mútuas. O que é pior, como já ocorre em outros países, a expressão pejorativa "advogado de porta de cadeia" será adaptada para "advogado de porta de hospital". Sempre haverá alguém procurando um vislumbre de má prática médica para obter algum ganho. Será fortalecida a "indústria do erro médico", já incipiente, mesmo sem esse seguro. A classe médica deve lutar contra essa falsa segurança de prática médica, em especial, nós cardiologistas. A melhor e mais segura proteção é o respeito ao Código de Ética Médica. Se assim proceder, o médico pode até ser processado, mas dificilmente será condenado. Isso se justifica porque o erro médico punível em ações criminais ou cíveis está sempre associado às faltas éticas previstas no Código de Ética Médica. Seguindo essa orientação será evitado que culpados permaneçam impunes e, o que é mais importante, que inocentes sejam apenados.
Odi José Oleiniscki Representante da DQA/SC e
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