Os
médicos chegaram ao fundo do poço
"Diário
de Natal" publicou uma carta patética sobre o
aviltamento da profissão médica, caracterizado pela
desvalorização do "Coeficiente de Honorários"
em 308% nos últimos nove anos, o que representa um
decréscimo no valor recebido pelos profissionais, se
calculado em dólar, em 351%.
O
documento, mais que uma reclamação, uma seríssima
denúncia do ponto a que chegaram os médicos, =grande parte
dos quais à beira da insolvência financeira, leva a
assinatura do dr. Paulo Ezequiel, funcionário das
Secretaria da Saúde Municipal e Estadual, no Rio Grande do
Norte, e que recebeu a imediata solidariedade de outros nove
médicos da rede estadual, que também a carta-aberta.
A
repercussão foi tão grande, que por conta própria
médicos do Brasil inteiro passaram a retransmitir a carta
para colegas e amigos, via e-mail.
É a
seguinte a íntegra do documento que também recebe o apoio
da Sociedade Brasileira de Cardiologia:
"Médicos,
companheiros de profissão, como descemos....
Quando meu
pai, médico, aposentou-se há nove anos, disse que estava
fazendo aquilo porque a profissão médica havia chegado ao
fundo do poço e não agüentava ver a classe descer mais do
que aquilo.
Nesses nove
anos os salários e até o CH (coeficiente de honorários),
criado para proteger o trabalho médico, desvalorizou
308,68% se comparado ao salário mínimo (e nós pagamos
salários baseados no mínimo aos funcionários);
desvalorizou 73,47% pelo IBG que mede o índice de preços
ao consumidor (inflação), índice este que sabemos ser
maquiado pelo Governo Federal. Se "dolarizarmos"
nossas perdas, elas chegam a 351,81%. Como descemos...
Inicialmente
fizemos cortes no orçamento, depois aumentamos a carga de
trabalho, passando a dar mais plantões. Cortamos férias,
nos tornamos "clientes especiais" dos bancos,
inicialmente eventuais, hoje cativos. Não temos tempo
sequer para nos organizar. Como descemos!
Não
podemos lutar sequer na Justiça, pois o Judiciário jamais
votaria a nosso favor, mesmo que estejamos certos. Os juizes
já votaram seu próprio aumento salarial e, se votassem o
nosso, poderia não sobrar para eles.
Em 1994 um
médico recebia R$ 755,00 e um promotor público R$
1.300,00. Hoje, o médico recebe os mesmos R$ 755,00 e o
promotor mais de R$ 8.000,00. Que diferença de
responsabilidade ou de um curso faz com que ocorra tal
disparidade. Sem falar de vereadores, auditor fiscal e
outros cargos que, devido a seu poder de auto-gestão dos
salários foram evoluindo, enquanto nós retrocedemos. Como
descemos.
E a culpa,
de quem é? De nós mesmos! Nós, que deixamos a coisa
ocorrer sem reagir. Talvez devido à célebre frase:
"Medicina é sacerdócio!". Mas até os padres,
hoje em sua maioria vivem bem, comem bem, dormem bem, têm
carro, vestem-se bem, viajam. A culpa é nossa por termos
aceitado dar plantões em condições mínimas. Sem água?
Compramos água. Comida ruim? Compramos a comida. Não há
material? Improvisa. Tudo em prol da continuidade do
serviço e do paciente. A culpa é nossa por termos criado
uma cooperativa médica que pode proteger a todos, menos ao
médico. Veja uma diária hospitalar hoje e há oito anos.
Quem protege quem? Os planos de saúde aprenderam que não
temos tempo para reclamar e pagam o que querem, quando
querem e se quiserem.
Chegamos no
nosso carrinho, cara de cansados, exaustos, na verdade,
maltrapilhos e somos atendidos pelo gerente do plano: bem
dormido, gravata, perfumado e de carrão zero às nossas
custas. burros de cangalha é o que somos. O governo também
aprendeu que não temos força para cobrar o que é de
direito: retira gratificações, suspende pagamentos. É
como se fôssemos isentos de obrigações financeiras.
Coitados de nós! Como descemos!!!!
Temos medo
de pedir um orçamento a um pintor ou pedreiro. Estamos
apertados para pagar o colégio dos nossos filhos. Achamos
que se continuarmos assim, vamos acabar pagando para
trabalhar. Estamos enganados!Já estamos pagando, pois as
noites em claro nos renderam doenças e problemas de saúde
que nossa aposentadoria do Estado de R$ 400,00, somados ao
INSSS de R$ 800,00, mais talvez uma previdência privada,
não conseguem cobrir. Pagamos, porque a nossa ausência em
casa na busca de manter um "padrão de vida" não
tem preço. Nossos filhos estão à mercê de drogas e maus
exemplos, devido ao abandono.
E como
dizer aos nossos filhos para estudarem, pois vale a pena?
Eles vêem o exemplo do pai que estudou tanto, fez tantos
cursos, passou tantos concursos e tem uma qualidade de vida
tão ruim. E aí vem o "Big Brother", as novas e
pessoas que vivem melhor, até de forma ilícita. É
difícil fazê-los compreender que os que nos mantêm em
nossa profissão, o que nos alimenta a alma e o espírito
são duas coisas: o amor pela prática médica e a
incapacidade que temos de reverter todo o investimento que
fizemos à mesma.
Se o medo
é de pagarmos para trabalhar, pode ficar ciente de que já
estamos fazendo isso.
Acho que
deveríamos ser mais radicais e não aceitarmos
imposições, pois sabemos que estamos totalmente certos.
Temos que ganhar melhor para atendermos melhor a nossos
pacientes. Temos que dormir bem, para atendermos melhor a
nossos pacientes. Temos que estudar e nos atualizar, para
atendermos melhor a nossos pacientes.
Queira ou
não, tudo isso depende de remuneração".
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