Sabe-se
que a prestação de serviços médicos em geral desencadeia a incidência
do Imposto Sobre Serviços – ISS, tributo cobrado pelos municípios da
Federação. O ISS é atualmente um dos impostos que mais gera
controvérsias na comunidade jurídica, tanto acadêmicas quanto
práticas. Este artigo terá o intuito de abordar e esclarecer, não
todas, mas algumas das questões acerca desse tributo, em especial aquelas
peculiares às sociedades médicas.
Já deve ser de
conhecimento de boa parte dos leitores que uma recente Emenda
Constitucional (n.º 37/02) instituiu a alíquota mínima de 2% para o
ISS, com o objetivo de neutralizar a chamada "guerra fiscal"
entre os municípios. A norma dirigia-se aos municípios que, para atrair
um maior número de contribuintes, estipulavam alíquotas irrisórias, e
que agora terão de editar novas leis municipais para se ajustarem ao novo
texto constitucional. A partir de agora, portanto, todos – ou quase
todos, como veremos adiante – os contribuintes do ISS deverão a ele se
sujeitar a um percentual mínimo de 2% do valor total cobrado pelos
serviços prestados. Entendemos, contudo, que essa alteração legislativa
não se aplica às sociedades médicas.
É que para estas (à
exceção de hospitais e laboratórios de análise), assim como para as
demais sociedades dedicadas ao exercício de profissões legalmente
regulamentadas (advocacia, engenharia, psicologia etc.), a lei fez incidir
o ISS segundo um sistema de tarifas fixas, desvinculadas do valor dos
serviços acertados entre as partes. Estamos falando do regime tributário
das chamadas sociedades uniprofissionais.
Esse regime de tarifas fixas é o
aplicável aos serviços prestados por todo e qualquer profissional
autônomo, e a sua extensão às pessoas jurídicas acima mencionadas se
explica pela razão de que seus profissionais, embora prestando serviços
em nome da sociedade, assumem sempre responsabilidade pessoal pelos seus
atos na profissão.
Pelo regime uniprofissional, a sociedade
médica recolhe ao fisco municipal a tarifa fixada em lei multiplicada
pelo número de médicos (sócios ou contratados) que prestem serviços em
seu nome.
De um ponto de vista mais técnico, esse
sistema tributário especial altera a "localização" da
expressão monetária no binômio "base de cálculo-alíquota",
pelo qual se quantifica o tributo. Enquanto no sistema tradicional a base
de cálculo é expressa em dinheiro (valor do serviço prestado) e a
alíquota é uma porcentagem (2% ou mais), para as sociedades
uniprofissionais a alíquota é uma quantia em dinheiro (tarifa fixada em
lei), que incide sobre uma base de cálculo não-monetária (número de
profissionais na sociedade).
Para as sociedades
médicas, a lei fez incidir o ISS segundo um sistema de tarifas
fixas |
Quando a Emenda Constitucional n.º 37/02
prescreve uma alíquota mínima de 2%, evidentemente quer referir-se
apenas ao regime tradicional de cobrança do ISS, não dizendo respeito
às sociedades uniprofissionais. Jamais foi desígnio do constituinte
revogar toda a sistemática de recolhimento do ISS aplicável a essas
sociedades, pois, se assim o quisesse, haveria de modificar também a base
de cálculo para uma grandeza exprimível monetariamente. Ocorreu,
digamos, simplesmente um
lapso do legislador, que
se "esqueceu" de mencionar no novo texto legal que ele tratava
tão somente do sistema usual de recolhimento do ISS. Dessa forma, em
nosso pensar, as sociedades uniprofissionais, entre elas as médicas,
continuarão a recolher o ISS como sempre fizeram, sem qualquer
modificação advinda da referida Emenda.
Ainda acerca desse regime
uniprofissional de tributação do ISS aplicável às sociedades médicas,
cabe tecer um breve comentário sobre os requisitos para seu
enquadramento. Para valer-se dele, as sociedades médicas devem,
cumulativamente, possuir em seu quadro societário exclusivamente pessoas
físicas, todas médicas, regularmente registradas no CRM e atuantes na
clínica ou empresa.
Com o intuito de
restringir ou dificultar o recolhimento do ISS pela sistemática
uniprofissional (na medida em que importa sensível redução de
arrecadação), é comum que os municípios procurem impor novos
requisitos ao seu usufruto pelas sociedades a ela aspirantes. Assim, por
exemplo, algumas legislações municipais exigem, para a aplicação do
regime uniprofissional, que todos os médicos da sociedade possuam a mesma
especialidade clínica, ou que a sociedade não empregue outros
funcionários que não exclusivamente médicos (secretárias, gerentes,
pessoal de apoio etc.).
Tais exigências,
contudo, parecem-nos ilegais e excedentes da legislação federal
aplicável ao ISS. Entendemos que a sociedade médica somente não fará
jus ao regime uniprofissional se congregar sócios não médicos ou,
ainda, sócios médicos que não trabalhem para a sociedade (evidenciando,
em ambos os casos, a figura de um sócio exclusivamente capitalista).
Paulo Roberto Andrade
pra.toan@terra.com.br |