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Serviço hospitalar e
serviço médico geral:
distinção e repercussões tributárias


A  legislação tributária nacional, mormente de âmbito federal, sempre dispensou tratamento fiscal distinto para serviços médicos de uma maneira geral e serviços hospitalares em particular. A Lei Federal nº 10.833/03 recém-promulgada aprofundou ainda mais essa distinção, disciplinando importantes aspectos do regime legal tributário aplicável à atividade hospitalar de forma diversa daquele previsto à atividade médica geral.

Para que possam conhecer o regime fiscal a que se submetem, bem como planejar as suas atividades de uma maneira otimizada do ponto de vista tributário, as empresas médicas deverão, portanto, antes de mais nada, identificar se suas características societárias e operacionais se enquadram ou não no conceito de serviço hospitalar.

O presente artigo pretenderá justamente divisar esse conceito à luz dos pronunciamentos mais recentes da Receita Federal, bem como esmiuçar as efetivas diferenças práticas entre os regimes tributários da atividade hospitalar e da atividade médica geral (ou não hospitalar).

Pois bem. Historicamente, a SRF sempre titubeou em gizar um critério (ainda que questionável ou mesmo arbitrário) preciso na definição de atividade hospitalar. Todavia, empreendendo um esforço de síntese na análise de julgados administrativos sobre o tema, é possível identificar, com alguma segurança, que, no entender da SRF, a característica marcante e decisiva da atividade hospitalar era a capacidade de internação de pacientes. Em outras palavras, seria considerado hospital aquele estabelecimento médico que ostentasse condições de abrigar o paciente para tratamento continuado em suas dependências. Confira-se o seguinte julgamento da SRF, bastante ilustrativo acerca desse entendimento: “Serviços hospitalares são aqueles em que o estabelecimento prestador promove internação e hospedagem do paciente para aplicar-lhe o tratamento e não se confunde com os serviços de atendimento ambulatorial” (Dec. 8ª RF 365/99).

Assim definido o conceito de atividade hospitalar, dele ficavam alijados todas as clínicas médicas, centros ambulatoriais e de diagnósticos, e isso por mais equipadas e complexas que fossem suas estruturas. Enfim, o chamado day clinic não bastava, aos olhos da Receita Federal, a que um estabelecimento alçasse à condição de hospital.

Recentemente, contudo, a orientação do Fisco alterou-se de forma bastante significativa. Através da Instrução Normativa nº 306/03, a Receita Federal definiu que são considerados serviços hospitalares aqueles prestados por pessoas jurídicas que possuam estrutura física apta à execução de qualquer uma das atividades elencadas na Parte II, Capítulo 2 da Portaria GM nº 1884/94 do Ministério da Saúde. E, nesta referida Portaria, os serviços de assistência à saúde em regime de internação consistem em apenas uma das atividades médicas lá previstas, ao lado de outras, tais como “ações básicas de saúde” (imunizações, controle de doenças transmissíveis, entre outras), “assistência à saúde em regime ambulatorial” (procedimentos de enfermagem, exames endoscópicos, entre outros), “serviços de atendimento imediato à saúde” (com ou sem risco de vida) e “serviços de apoio diagnóstico e terapia” (medicina nuclear, radioterapia, diálise, entre outros).

Posteriormente, através do Ato Decla­ratório Interpretativo nº 18/03, a mesma SRF complementou a sua nova orientação definindo que, para caracterizar-se como hospital, a pessoa jurídica, além de prestar qualquer dos serviços médicos listados na referida Portaria do Ministério da Saúde, deverá ostentar a natureza jurídica de sociedade empresária. De uma forma bastante genérica, é empresária a sociedade que possui estrutura profissional organizada, na qual a atividade dos sócios-médicos é apenas um dentre outros fatores materiais e humanos igualmente importantes que integram o estabelecimento médico. A aferição dos contornos da pessoa jurídica que a definirão ou não como sociedade empresária, contudo, é coisa que somente pode ser feita caso a caso.

Perceba-se a radical mudança de critério adotado pelo Fisco: até então prevalecia um critério nitidamente objetivo, apegado às características da atividade operacional desempenhada pela pessoa jurídica (se havia ou não internação etc.); agora, parece preponderar um critério subjetivo, relacionado às características da própria pessoa jurídica em si (se empresária ou não-empresária).

Com isso, torna-se perfeitamente possível que uma clínica médica ou um centro de diagnósticos alcancem a condição de entidades hospitalares, bastando que suas estruturas permitam classificá-los como sociedades empresárias. Tanto assim que, em recentes julgados, a SRF já aceitou o enquadramento de clínicas ortopédicas e radiológicas como estabelecimentos hospitalares. Em outro recente pronunciamento, a SRF também decidiu que as empresas de “home care” igualmente podem se enquadrar como entidades hospitalares, desde que preencham esse mesmo requisito empresarial.

Definido o critério distintivo da atividade hospitalar, passemos às peculiaridades do seu regime tributário, o que faremos de uma forma bastante superficial, à vista da exiguidade de espaço. Abordaremos três aspectos que nos parecem especialmente relevantes, quais sejam, (i) a base de cálculo de IRPJ/CSLL-lucro presumido; (ii) a sistemática de cálculo da Cofins; e (iii) a sujeição à retenção de tributos federais pelas tomadoras de serviço.

 

(i) a base de cálculo de IRPJ/CSLL-lucro presumido: o chamado “lucro presumido” é uma modalidade de apuração do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro pela qual determinadas pessoas jurídicas podem optar (anualmente). Nesse sistema, os referidos tributos não incidem sobre o lucro “verdadeiro” da empresa, chamado “lucro real” (que é o lucro contábil formatado por alguns ajustes legalmente exigidos), mas sobre uma “margem de lucro” “presumida” pela legislação para a atividade desenvolvida pela empresa. Para o serviço hospitalar, essa margem presumida é de 8% da receita bruta da pessoa jurídica para o IRPJ, e 12% para a CSLL, enquanto que, para os serviços médicos não hospitalares, ela é de nada menos que 32% para cada um dos dois tributos. Isso quer dizer que, para as sociedades médicas não hospitalares, a “opção” pelo lucro presumido é na prática quase sempre descartada e inco­gitável; já para as sociedades hospitalares, pode representar uma vantajosa alternativa frente ao “lucro real”;

 

(ii) a sistemática de cálculo da Cofins: a já referida Lei nº 10.833/03 instituiu um novo regime de apuração da Cofins (tal qual já vigora para o Pis desde o ano passado), chamado “não-cumulativo”. Por esse novo sistema, a alíquota desse tributo é majorada (dos 3% atuais para 7,6%), mas, em contrapartida, poderão ser descontados do valor do tributo alguns créditos calculados pela aplicação dessa mesma alíquota sobre algumas despesas incorridas pela empresa. O novo regime será mais ou menos vantajoso que o atual de acordo com a quantidade de despesas “creditáveis” presentes na atividade da empresa. Pois aqui importa que as receitas de atividades hospitalares estão expressamente excluídas desse novo regime pela lei, permanecendo submetidas ao regime anterior, “cumulativo”. De qualquer forma, o Poder Judiciário mantém consistente posicionamento no sentido de isentar as sociedades médicas desse tributo – desde que preenchidos determinados requisitos –, caso em que estas simplesmente não o recolheriam (nem pelo novo regime não-cumulativo, e nem pelo anterior regime cumulativo). Acerca desse assunto, teceremos considerações mais específicas em artigo futuro;

 

(iii) retenção na fonte: também em virtude da Lei nº 10.833/03, os serviços médicos gerais ensejarão, a partir de fevereiro de 2004, a retenção na fonte, pelo tomador do serviço (pessoa jurídica), não apenas do IRPJ, mas também da CSLL, do Pis e da Cofins. Já os serviços hospitalares não se submeterão a esta contingência (que de resto não representa um agravamento fiscal, mas apenas um “adiantamento” do valor que seria pago ao final de cada período de apuração).

 

Classificar-se como atividade hospitalar não necessariamente representa uma vantagem tributária. Como dito acima, essa conclusão dependerá de outros fatores a serem examinados. O mais importante é cada empresa médica identifique a sua condição para que possa, então, planejar sua atividade da maneira mais eficiente. Esse trabalho de planejamento deve ser implementado principalmente no início do ano, quando deve a empresa definir o regime de apuração do IRPJ, o qual traz importantes repercussões no cálculo do próprio IRPJ, da CSLL e também do Pis e da Cofins.

 

Paulo Roberto Andrade

Advogado  -  e-mail: prandrade@toan.com.br

 

 

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