Segundo denúncia recém-publicada
no “The Observer”, centenas de artigos publicados em
revistas médicas indexadas e assinados por médicos
independentes, e até famosos, são preparados por redatores
profissionais, sob encomenda dos grandes laboratórios. A denúncia
tem maior gravidade, diz a publicação, à medida em que se
sabe que esses artigos levam grande número de profissionais a
receitarem as drogas de que tratam referidas publicações.
A redação de trabalhos
científicos por “ghostwriters”, ou seja,
redatores-fantasmas, veio à tona a partir de uma notícia na
edição de fevereiro do “New England”, que se retratou
dizendo que um artigo, publicado no ano passado e atribuído a
médicos do “Imperial College de Londres” sobre o
tratamento de um problema cardíaco, levava a assinatura de médicos
que pouco ou nada tinham a ver com a pesquisa. O cardiologista
alemão Huber Seggewiss foi quem levantou a questão, ao
anunciar que jamais tinha visto a versão do trabalho que foi
publicada com sua assinatura.
Logo em seguida foi
revelado que um artigo publicado no “Journal of Alimentary
Pharmacology” foi preparado por um médico que é funcionário
de um laboratório cujas drogas recomendava, mas foi omitida a
relação do médico com o laboratório.
Uma carta, divulgada no
site do “British Medical Journal” e assinada por Susanna
Rees, denuncia que “agências de publicações médicas estão
escondendo o fato de que muitos trabalhos preparados por
redatores-fantasmas, contratados por empresas farmacêuticas,
acabam publicados com o nome de médicos que não foram seus
autores”.
Outra distorção vem à
tona através de um e-mail divulgado pelo “The Observer” e
recebido por um médico. Enviado por um laboratório, ele
afirma candidamente: “para reduzir seu trabalho ao mínimo,
pedimos a nosso ghostwriter que produzisse um rascunho do
artigo que você deve preparar, e que vai anexado a este”. O
“rascunho” era um trabalho de 12 páginas a ser
apresentado num Congresso. E quando o médico sugeriu algumas
mudanças, pois não concordava com as afirmações, o laboratório
disse que elas não seriam possíveis pois as mudanças
eliminariam “pontos comercialmente importantes”. O incrível,
diz o denunciante, é que o mesmo trabalho, sem as mudanças
propostas, acabou publicado, com a assinatura de outro médico.
O psiquiatra David Healy,
da University of Walles, diz que a Psiquiatria é uma das áreas
que mais tem tido esse tipo de problema e estima que até
metade dos artigos publicados nas revistas indexadas são
preparados “de uma forma que a maioria dos médicos não
imaginaria que fosse usada para sua redação”. E um
ex-redator de uma agência de redação de artigos médicos
afirma taxativamente que “é verdade que, algumas vezes, um
laboratório paga um redator médico para escrever um artigo
recomendando determinada droga ou elogiando os benefícios de
certo tratamento, depois do que um médico de renome é
procurado para colocar sua assinatura no artigo”. O
problema, diz ele, é que o leitor não fica sabendo que o
artigo não foi redigido pelo médico, nem que há um laboratório
por trás da publicação.
Num caso extremo, que
chegou aos tribunais, nos Estados Unidos, um dos maiores
laboratórios do mundo foi acusado de preparar um artigo
analisando os benefícios de uma droga que produz, e o
trabalho foi levado ao tribunal sem a assinatura de qualquer médico,
mas com a abreviatura “TDB”, que se supõe signifique
“to be determined”, indicando que o médico a quem o
documento seria atribuído seria escolhido posteriormente.
Já na Inglaterra, o
editor do “British Journal of Medicine” admitiu que os
“ghostwriting” se tornaram um grande problema, tanto que
“artigos entregues em nome de médicos, para publicação,
freqüentemente contém informações sobre as quais o signatário
tem pouco ou nenhum conhecimento”.
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