Artigo Original
Silva et al
Variabilidade da frequencia cardiaca no diabetes
Arq Bras Cardiol. 2017; 108(3):255-262
Introdução
ODiabetes
Mellitus
(DM) tipo1, doença auto-imune resultante
da destruição das células betapancreáticas com consequente
defici ncia de insulina,
1,2
está aumentando mundialmente e
ocorrendo em indivíduos cada vez mais jovens.
3
Estima-se que
aproximadamente 15mil crianças são diagnosticadas anualmente
com DM tipo 1 e 3.700 com DM tipo 2.
4
Indivíduos com DM tipo 1 podem apresentar
comprometimentos no sistema nervoso aut nomo (SNA),
os quais podem ser identificados por meio da avaliação da
variabilidade da frequ ncia cardíaca (VFC).
5,6
Trata-se de um
método simples, acessível e não invasivo que descreve as
oscilações nos intervalos entre batimentos cardíacos consecutivos
(intervalos RR, iRR), as quais estão relacionadas às influ ncias do
SNA sobre o nódulo sinusal.
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Análises da VFC t m apontado que existe uma redução
da variabilidade global em indivíduos com DM tipo 1 em
comparação com indivíduos saudáveis para diversas faixas
etárias.
8-11
Além disso, perda no componente parassimpático
com aumento simpático
12
e redução da magnitude e
complexidade dos mecanismos de controle da frequ ncia
cardíaca nesses indivíduos
13,14
também tem sido relatado.
Embora a VFC seja utilizada para avaliar e identificar
alterações auton micas, seu uso na prática clínica ainda
é incipiente, apesar de alguns trabalhos demonstrarem
sua eficácia para esses fins em diferentes populações.
Neste contexto, estudos t m apontado que alguns índices da
VFC permitem detectar alterações auton micas com relativa
sensibilidade e podem descrever alterações do ritmo cardíaco
com bom valor diagnóstico e prognóstico.
15-17
Em adultos de meia idade com DM tipo 2, Khandoker
et al.
15
observaram que os índices SD1 (desvio padrão da
variabilidade instantânea batimento a batimento), extraído
do plot de Poincaré, e a SampEn (entropia de amostra)
podem identificar a presença de comprometimento
auton mico cardíaco com melhor acurácia diagnóstica e
apontaram que a VFC pode ser um marcador diagnóstico e
prognóstico prático nessa população.
Entretanto, em indivíduos com DM tipo 1, estudos
dessa natureza ainda são escassos, uma vez que a maioria
dos trabalhos limita-se a comparar os valores de VFC em
indivíduos com e sem DM, sem de fato analisar o poder
discriminatório desses índices. Tais estudos permitiriam, além
de fornecer novas informações sobre o tema, determinar os
índices de VFC que oferecem melhor poder diagnóstico e
prognóstico desses indivíduos. Essas informações poderão
contribuir para melhores condições de estratificação de
risco desses pacientes, conscientização para elaboração de
programas preventivos e novas estratégias de tratamento
para esses pacientes.
Sendo assim, o objetivo deste estudo foi comparar os
índices da VFC e avaliar sua sensibilidade, especificidade
e valor preditivo em jovens com DM tipo 1 e saudáveis.
Nossa hipótese é a de que alterações no comportamento
auton mico de jovens comDM tipo 1 podem ser identificadas
pela análise da VFC, e que essa ferramenta é útil e eficaz
como marcador diagnóstico e prognóstico nessa população.
Métodos
Casuística
Foram recrutados indivíduos com diagnóstico de DM
tipo 1 a partir de banco de dados de Unidades Básicas
de Saúde e por contato com médicos especializados
em endocrinologia na cidade de Presidente Prudente,
Brasil, e voluntários saudáveis em uma universidade
pública do mesmo município. O cálculo amostral foi
realizado com base no índice RMSSD (raiz quadrada da
média do quadrado das diferenças entre os iRRs normais
adjacentes); considerando a magnitude da diferença de
19,85, desvio padrão de 25,30,
18
e risco alfa de 5% e
beta de 80%, o tamanho amostral resultou em ao menos
25 indivíduos para cada grupo.
O recrutamento final totalizou 88 voluntários com idade
entre 18 a 30 anos, de ambos os sexos, os quais foram alocados
em dois grupos: Grupo DM tipo 1, composto por 43 jovens
com diagnóstico de DM tipo 1 (20 homens e 23 mulheres;
média de idade de 21,82 ± 5,07 anos; tempo de diagnóstico
de 11,20 ± 6,01 anos) e Grupo Controle, composto por
45 jovens saudáveis (21 homens e 24 mulheres; média de
idade 21,35 ± 2,82 anos).
Foram incluídos no estudo jovens que possuíam as
seguintes condições: diagnóstico de DM tipo 1 confirmado
por exame sanguíneo e diagnóstico médico (para o Grupo DM
tipo 1), não possuíam doenças cardiorrespiratórias, e não eram
tabagistas e/ou alcoólatras. Foram excluídos seis voluntários
que apresentaram séries temporais de iRR commenos de 95%
de batimentos sinusais.
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Todos os indivíduos foram esclarecidos sobre os objetivos
e procedimentos do estudo e, aqueles que concordaram
em participar, assinaram um termo de consentimento
livre e esclarecido antes de serem incluídos no estudo.
Todos os procedimentos do estudo seguiram a Declaração
de Helsinki e foram aprovados pelo Comit de Ética em
Pesquisa da Faculdade de Ci ncias e Tecnologia – FCT/
UNESP, Campus de Presidente Prudente (Parecer: 417.031).
Coleta de Dados
A coleta de dados foi realizada emuma sala com temperatura
entre 21°C e 23°C e umidade entre 40 e 60%, no período da
tarde, entre 13 e 18h para minimizar as influ ncias do ritmo
circadiano.
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Para as avaliações individuais, os voluntários foram
orientados a não ingerirembebidas alcoólicas e/ou estimulantes
do sistema nervoso aut nomo como café, chá e achocolatados
nas 24 horas precedentes à avaliação.
Todos os voluntários foram submetidos a um protocolo
de avaliação constituído por ‘identificação’ - idade, g nero,
tempo de diagnóstico (para os diabéticos) e uso de terapia
medicamentosa, ‘avaliação física’, ‘avaliação clínica’ e ‘avaliação
auton mica’. Após a identificação, foram realizadas as avalições
físicas e clínicas que incluíram: avaliação dos parâmetros
cardiovasculares e da composição corporal, determinação do
nível de atividade física e medida da glicemia pós-prandial.
Finalmente, foi realizada a avaliação auton mica.
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