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Saúde agoniza ante os olhos inertes do governo É certo que este ano os temas referentes à saúde voltarão a ter relevância. Espasmos fictícios demonstrando real interesse na solução dos problemas do setor ocorrem sempre em anos eleitorais. Os atores da cena, quase sempre, esquecendo-se do que se comprometeram na campanha passada, repassam o texto ajustando-o aos dias atuais. Percebem, comparando o encenado em eleições passadas, que o quadro continua e progressivamente se agrava, há mais dramaticidade, as coisas estão piores. Que bom! O enredo é substantivo, nos dá elementos para a eloqüência, seremos convincentes. Basta programar o habitual delete para após as eleições e mãos à obra. Excluídos os que dignificam a vida pública, a distância que na realidade percebemos entre o verbo pré e a atuação pós-eleitoral não nos deixa outro julgamento. Ainda que convivamos diuturnamente com a miséria, a exclusão e a delinqüência, não nos acostumamos com tais fatos, não é possível deletar tal realidade. É bom que sejamos assim, que exercitemos o inconformismo diante do deplorável cotidiano que insiste em tornar banal em nossas mentes o que não podemos aceitar. Recentes notícias dão conta de que na China execuções de vidas humanas, em número próximo de dez mil ao ano, por vezes em razão de delitos banais, são realizadas em praças públicas ou em estádios com a presença de populares, onde estes se manifestam com cada desfecho como se estivessem em uma competição em que seu time realizasse um grande lance. Que lamentável! Cauterizou-se, nos corações dessas pessoas, a capacidade de compadecer-se, abandonando o que mais nobremente nos diferencia dos animais. Nossas "execuções" são diferentes, mas no quesito número de vítimas certamente mais devastadoras. Não visam ser exemplo disciplinador como no caso chinês, e as manifestações populares são restritas a poucos, normalmente familiares e amigos das vítimas que na intimidade de casebres humildes externam choro, pesar, soluços e dor profunda. São assim, na intimidade e sem repercussão as manifestações de inconformidade dos excluídos, vítimas do mais absoluto descalabro que se instalou na assistência à saúde em nosso País. Ajustados a uma nova lógica, os responsáveis negam-se em reconhecer o óbvio, assistem a uma agonia que se estende nos últimos 10 anos, e que nem agora, no intitulado governo do povo, se mostra diferente. Assistem inertes ao fechamento de mais de 600 hospitais e à desativação de mais de 80.000 leitos nos últimos 10 anos, destruindo uma estrutura que emprega direta e indiretamente 6 milhões de pessoas e atende a 70% dos serviços do SUS e a 100% do setor suplementar. Não pode parecer normal que nosso investimento per capita/ano em saúde (105 dólares) seja inferior ao que aplicam o Paraguai, Costa Rica, Colômbia e Trinidad-Tobago. As tabelas de remuneração do SUS, defasadas mais de 100%, segundo estudo do próprio Ministério da Saúde, inviabilizaram profissionais e instituições em todo o País, que com seus custos crescentes e até dolarizados encontram-se sucateados e endividados. A medicina, profissão de relevância para o bem-estar e estabilidade social, tem sido banalizada pelo assentimento do governo com a produção em escala industrial, em série, de um excessivo contingente de médicos, "fabricados" na melhor acepção do capitalismo selvagem, ou seja, pior qualidade e maior lucro na produção. Em nenhum momento tiveram sensibilidade para o fato de que se encontram os médicos há cerca de 10 anos sem reajuste nos seus honorários pagos por planos de saúde, e com reajustes desprezíveis dados pelo SUS, mal remunerados trabalham mais, estudam e atualizam-se menos, atendendo pior a população. A Agencia Nacional de Saúde Suplementar (ANS) omitiu-se mais uma vez quando ao publicar a resolução normativa 71, que regulamenta a relação contratual entre médicos e operadoras, fez o jogo das operadoras ao estabelecer regras pouco específicas, negando aos médicos a garantia legal de direitos elementares a qualquer classe trabalhadora. Os planos de saúde não se queixaram, nem poderiam. Como não bastasse, conforme denuncia o presidente da Frente Parlamentar da Saúde, deputado Rafael Guerra, em carta aos deputados, o governo além de não cumprir o acordo de retroceder na decisão de aumentar a Cofins de 3.0 para 7.6% para o setor de saúde, ainda através da Medida Provisória 164/2004, taxa indiscriminadamente todas as importações, inclusive as de equipamentos essenciais ao funcionamento do setor saúde, sem similar nacional. Os fatos que envolvem a saúde nos últimos anos, os quais tenho acompanhado, relembram-me o sentimento que tive ao assistir o filme A Paixão de Cristo, quando em muitos momentos tive a sensação de que o reiterado e brutal castigo não poderia prosseguir, já era absurdamente excessivo, mas prosseguia. A esses donos da verdade e dos destinos alheios não faltamos em alertar, propor e contribuir. Porém em duas circunstancias torna-se vã toda forma de contribuição, quando não se alcança entendê-las ou quando já se tem definido a que interesses se quer contemplar. Pobre povo brasileiro, escorchado com impostos em níveis de países de primeiro mundo, e já no vermelho em sua cidadania, tem de buscar não sabe onde, saldo para pagar pelos danos do primarismo de propósitos que persiste. Convenientemente cegos, é como estão os que dirigem a saúde e as prioridades deste País, e nós de olhos arregalados assistimos às execuções, pasmos! Samir Dahas Bittar Diretor de Saúde Pública da AMB |
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